quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme O Fundo do Ar É Cinza

Por Lucas Ramos



Você provavelmente já ouviu a famosa campanha publicitária: “Agro é Tech, agro é pop, agro é tudo”, promovida desde 2016 pela Rede Globo. A campanha tem como intuito destacar a importância do agronegócio para a sociedade brasileira moderna. Mas será mesmo que o agro é realmente indispensável? Este é o questionamento que O fundo do ar é cinza provoca.

Dirigido por Carolina Magalhães, como trabalho de conclusão de curso para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, o filme explora os impactos do agronegócio no Brasil, revelando suas raízes em um sistema que frequentemente prioriza lucros em detrimentos de vidas, florestas e culturas locais, desconstruindo, assim, a ideia do agro como “riqueza do Brasil”.

O documentário utiliza, em grande parte, filmagens de arquivos para a construção de sua narrativa. Com exceção de algumas cenas que possuem diálogos, a história é guiada pela relação entre imagens de planos distintos. O filme começa com filmagens de registros históricos do Brasil que mostram o processo cronológico da industrialização que culminou no modelo atual do agronegócio. Um elemento interessante desta sequência é o uso de uma trilha sonora que remete ao horror, reforçando a ideia de ameaça que as máquinas agrícolas trazem consigo.

O principal destaque do filme é seu uso da montagem que, por meio de uma organização cuidadosa das imagens, consegue expressar de forma clara e impactante as ideias centrais, sem precisar recorrer ao uso de voz-over, comum em documentários mais tradicionais. Adotando uma perspectiva eisensteiniana, em vez de simplesmente ilustrar a narrativa, a montagem desafia o espectador a perceber as relações entre as imagens e a conectar os pontos que, à primeira vista, podem parecer isolados. Um exemplo disso são as cenas de políticos participando de comícios sobre agronegócio, que em seguida é contrastada com imagens capturadas pelo Google Maps que expõem o desmatamento à medida que o agronegócio cresce. É importante também ressaltar o trabalho da trilha sonora, que se utiliza da música industrial para criar a sensação de um perigo iminente.

Para finalizar, a utilização de imagens de propaganda do agronegócio para evidenciar os próprios problemas que esse meio causa é no mínimo interessante. Ao se apropriar dessas imagens, o filme cria uma ironia visual poderosa, transformando o que antes possuía um caráter de “prosperidade” e “progresso” em símbolos de destruição. Isso nos faz refletir sobre como a representação midiática do agronegócio é cuidadosamente construída para transmitir a ideia de que nossa única alternativa viável seja o agro.



Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Quem Sabe Nesse Carnaval

Por Mateus Felipe de Jesus Jordão Palmeira




A ordinariedade e a improbabilidade dos encontros são realidades de um dia de carnaval. O carnaval já faz parte de um imaginário e uma agenda popular que mesmo quem não é “chegado” ao feriado, o vivencia. Quem Sabe Nesse Carnaval explora essa esfera de acontecimentos através da ótica de um jovem, Sami, que é pouco apegado ao evento, mas que indiretamente, mesmo de maneira ínfima, tem sua vida transformada durante o período. A história se desdobra em torno da conexão improvável de Sami e Flora, uma viajante chilena que buscando aproveitar a folia, se hospeda na casa do jovem aficionado por jogos e streamer durante o feriado. O curta adentra sob esse contato entre duas pessoas com comportamentos e personalidades distintas.

O paralelo em contraponto do estilo de vida de cada um desses sujeitos é construído em cena pelos pequenos arranjos do enredo. A conexão com esse “corpo estranho e intruso”, que modificará o cotidiano do sujeito, é exposta narrativamente por nuances imagéticas na obra, nos conduzindo através do vínculo que se constrói entre esses dois indivíduos. Em um país que respira Carnaval e esse amor é quase unânime, logo, mesmo o indiferente não deixa de ser afetado pelo evento. Estes elementos são perceptíveis desde o primeiro ato, as diferenças entre Sami e Flora, entre idade, costumes e mesmo na língua propõem entraves que subliminarmente aparecem para nós ao longo do curta, mas que vão por água abaixo à medida que a história prossegue. Entendemos um pouco daqueles dois personagens e suas peculiaridades.

Apesar de toda a história se passar espacialmente dentro dos limites da casa de Sami, o som consegue desenvolver através de elementos diegéticos, a passagem dos blocos e reforçar a ideia, em virtude de na ausência planos e quadros dos mesmos. As escolhas estéticas são bem dosadas fazendo sentido para o intento da obra, por utilizar somente uma locação. A repetição de quadros, além de sugerir a passagem do tempo em diferentes momentos de tela, cria paralelos à medida que a história avança. Um dos que mais me chamou atenção foi um plano de ponto de vista, que simula uma webcam que Sami utiliza para streamar para os seus seguidores, um quadro que se repete em diferentes momentos, mas se encaminhando para o final, vemos ele uma última vez, com a participação de Flora, no quadro com Flora em foco no plano com Sami ao fundo desfocado. É possível entender a importância desta ação, considerando a intimidade desse momento para o jovem streamer ao longo da história, logo deparar-se com a participação de Flora conduzindo a sua live, é um selo da afirmação do laço que acompanhamos.

Durante os três dias que antecedem a Quarta-feira de Cinzas, as crônicas de carnaval de acontecimentos a eventos, fazem parte da história particular de cada brasileiro. Os amores de carnaval eternos ou efêmeros são pontos comuns entre vários outros. Quem Sabe Nesse Carnaval é um retrato de um dos pontos que, para mim, compreende um dos maiores méritos do cinema e da linguagem: transformar o ordinário em extraordinário. O encerramento do filme elucida essa ideia de maneira didática. Aquela história de carnaval, que em minutos de tela fora construída gradualmente, chega no encerramento de maneira inesperada: sem solução, quando pensamos que iremos caminhar pela resolução geral dessas pontas soltas, a diegese sonora de ambientação é interrompida, temos o silêncio e a carta de despedida de Flora à Sami, mas afinal é Carnaval, como diria Chico Buarque em um Sonho de Carnaval: “Quarta-feira sempre desce o pano".


Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme El Concierto

Por Euclides Neto Rodrigues Barbosa




El Concierto, apesar de ser uma obra simples, dirigido por Sarah Luz e Rita Afonso, alunas do curso Cinema e Audiovisual da Ufpa. Evoca uma forte sensação de nostalgia, resgatando elementos dos primórdios do cinema, quando as películas eram em preto e branco e as narrativas, muitas vezes, mais diretas. A história é simples e de fácil entendimento, não que isso seja ruim, para um curta de apenas 5 minutos é perfeito. O som que no início pode ser desconfortante logo se explica o porquê dele ser ruim, desta forma ficando mais fácil compreender os incômodos que ele nos faz sentir.

A estrutura do filme remete aos trabalhos de Charlie Chaplin, especialmente pela simplicidade da história e o uso de humor visual. Lembra muito O Ditador e Tempos Modernos, dois filmes atemporais que estão marcados na história do cinema. El Concierto não chegar a ser um filme mudo, pois o som do filme é essencial para entender a dinâmica do curta, porém ainda tem os intertítulos usado em filmes mudos, ou seja, é uma mescla de nostalgia com um pouco do cinema atual, o que deixa a experiência ainda mais agradável para o espectador.

Mesmo sendo um projeto de baixo orçamento feito por alunos, a execução técnica é impressionante. A fotografia captura bem a essência dos momentos emocionais, enquanto o som complementa a atmosfera de forma eficiente. Destaca-se, também, a coloração, que foi utilizada com sensibilidade para reforçar a clareza da história e a mensagem final do curta. Em curtas como esses, não dá para ser duro na questão da atuação, pois normalmente os próprios alunos atuam em seus curtas e todos sabemos que uma boa atuação precisa de prática e estudo. Quanto à atuação no curta em si, foi boa, pois conseguiram transmitir de forma simples os sentimentos dos personagens.

Assim, o filme mostra que uma boa ideia, aliada a um esforço cuidadoso na execução, pode resultar em uma obra memorável. No entanto, talvez uma maior complexidade na narrativa ou um desenvolvimento mais profundo dos personagens pudesse enriquecer ainda mais o curta. O enquadramento captou bem os personagens e os itens usados em cena, eles tiveram noção de espaço e não ficou algo apertado, pois os personagens se moviam livremente sem sair de cena, acredito que uma câmera mais profissional poderia ter ajudado mais, mas vale ressaltar que é um curta produzido por alunos, muitos deles iniciantes no curso. Os realizadores ainda estão nos primeiros semestres e não tiveram todas aulas sobre os aspectos técnicos que poderiam auxiliar em uma melhor execução do projeto.

Mas para o que foi feito e do jeito que foi feito está magnífico, quem sabe um dia com investimento esse curta possa ser refeito e virar uma obra ainda mais memorável e possa quem sabe alcançar mais espectadores e assim talvez figurar como uma grande obra na história do cinema.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme A Cachoeira dos Pássaros

Por Cecília Dos Anjos Siqueira





Com os debates acerca das crises climáticas, a Amazônia em chamas e a COP 30 na esquina, Thiago Pombo traz à tona o debate acerca da privatização da natureza e suas consequências no curta A Cachoeira dos Pássaros da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). A narrativa segue um grupo de pássaros que se vê ameaçado por um projeto que planeja cercar o seu habitat e limitá-los em uma grande gaiola. Os pássaros se revoltam com a ideia.


O uso do stop motion no curta encanta e nos transporta para o habitat dos pássaros com cenários coloridos que utilizam de recortes e tinta acrílica. Espera-se uma linda história de amor e amizade e em instantes somos transportados para uma história de luta e resistência pelo direito de permanecer e existir.


Partindo dessa premissa, sinto que por vezes essa ameaça poderia ser mais explicitada pois não se sente de maneira tão clara a urgência desses animais em perigo. No começo me perguntei se o grande empreendedor ser retratado como um próprio pássaro foi a melhor escolha, mas afinal, vejo que a decisão traz uma reflexão clara sobre nossa própria espécie.


Segundo o Instituto Claravis, o Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil, a perda de habitat é apontada entre as principais causas de extinção além do tráfico e desmatamento. O filme traz um desafio ao abordar assuntos complexos sem o uso de diálogos ou textos. Aprecio a abordagem “silenciosa” entretanto, em algumas cenas as intenções ficam confusas.


Apesar dos empasses, é impossível não ficar hipnotizado e investido na pequena jornada dos personagens apresentados. Os pássaros Tiê-Sangue, Sete Cores, Tico Tico e tantos mais que buscam pelo direito de viver em seu lar são apresentados de forma cativante com suas penas de papel colorido e cenários texturizados. A minúcia com que os movimentos foram planejados e montados na animação expressa as alegrias, frustrações e tristezas dos passarinhos. Criado inteiramente com recursos universitários, o filme explora diferentes texturas e técnicas nos cenários montados artesanalmente e compostos digitalmente, sem perder o toque ainda presente das mãos que construíram o filme nas pinceladas que pintam o papel de cada pena e o recorte amassado da cachoeira.


A Cachoeira dos Pássaros aborda de maneira belíssima e sensível a destruição da fauna e flora brasileira e supera desafios que permeiam a produção de uma animação com poucos recursos financeiros de forma brilhante.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Rua da Felicidade

Por Lucas Da Conceição




O filme é escrito e dirigido por Matheus Neves por meio da produtora Infinita Filmes. O curta-metragem é um trabalho de conclusão de curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Pará. Rua da felicidade se apresenta ao longo da trama como um suspense bem-humorado, mas é uma pena não ter se decidido em vários sentidos.


Em uma sequência de apresentação bem construída e com uma câmera imersiva, somos apresentados à trama principal: O sumiço da gata de Esmeralda, uma garota que começou a falar de forma poética após o desaparecimento do animal. Ainda na sequência, o filme mostra um tipo de antagonista, o novo vizinho estranho e suspeito daquela rua. O curta é descontraído pela trilha sonora, personagens e diálogos, o que gera um contraste entre o suspense e o humor, que será mantido durante todo o filme.


A partir disso, o filme desenvolve outros personagens, alguns vagamente. O que mais se destaca é o Danrley, ou “Maconha” como é chamado, um jovem vendedor de drogas, escolhido pelo roteiro para encaminhar a narração da história. O curta se desenvolve após o surgimento de vários animais mortos na rua. Os moradores associam isso a alguma espécie de doença ou até mesmo um presságio ruim. Ao longo da obra, somos levados a crer que isso tem alguma coisa a ver com o novo vizinho. Porém, o filme deixa isso em aberto e com um final que gera dúvidas.


Após uma análise narrativa, há alguns pontos necessários para discutir, o primeiro é a estruturação da trama. Falta no curta-metragem um foco definido durante a narrativa, somos levados a diversas situações que não estão conectadas com o filme, me fiz a pergunta algumas vezes: “De que forma isso me ajuda a entender a história?”, “Qual o motivo narrativo do Maconha vender drogas aos moradores?”, “Qual a função narrativa da namorada dele?” Outro exemplo é “Qual a função do político aparecer fazendo propaganda?". Na prática, essas cenas servem como ponto de apoio para dar sequência a outras partes mais importantes, em curtas-metragens, especificamente, as cenas de apoio precisam ser enxutas e diretas, pois podem deixar o filme vago narrativamente e sem um discurso objetivo.


Geralmente, o principal objetivo de qualquer filme é fazer o público se sentir inserido no mundo ficcional, realizadores contam com um arsenal de ferramentas para isso. Esse filme acerta em algumas, porém erra em outras. A mixagem sonora, algumas vezes, deixa a desejar. Em certas cenas a música com vocal e os diálogos disputam espaço de atenção do público, dificultando o entendimento das falas, vale ressaltar que isso acontece poucas vezes, mas são pequenos detalhes que definem a imersão do público na obra.


Apesar de alguns problemas graves, o filme ainda assim denota boas qualidades. A fotografia é bem representativa e agradável, a colorização simula aspectos analógicos de filmagem, em certos trechos o filme exibe aspectos nostálgicos que encaixam com o sentido narrativo. A direção faz um bom trabalho, o ritmo do filme é bem construído com planos dinâmicos e divertidos que prendem a atenção. Os diálogos são bem humorados, envolventes e representativos, construindo jargões e gírias típicas da região paraense. A direção de arte também faz um ótimo trabalho principalmente no uso das cores que combinam com a estética da obra.


É possível tirar muitas coisas boas de Rua da felicidade, que seriam melhores aproveitadas com uma história com um foco narrativo bem definido. No fim, o filme propõe que o espectador responda as seguidas dúvidas: Esmeralda e o novo vizinho estavam envolvidos com o sumiço dos animais? O que “Maconha” viu escondido no lixo? O que Esmeralda estava fazendo na tela do computador? O diretor faz uma crítica ao uso das redes sociais por menores? Ou ainda, “Será que o filme me deu pistas suficientes para responder a essas perguntas?” De forma geral, saio do filme com uma sensação de que ele queria me contar mais que os 26 minutos tinha para oferecer.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Quando Foi Que Acordei?


Por Bárbara Palheta




Mariana Corrêa, diretora do curta-metragem “Quando Foi Que Acordei?”, é graduada em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal de Pelotas. Foi produtora do curta ''Combustão Espontânea”, selecionado para o 51° Festival de Gramado e é fundadora da produtora ''Filmes Úmidos'' e do Coletivo Transviada de Pelotas. “Quando Foi Que Acordei?” conta de uma forma sensível a história de Clarice, uma jovem que trabalha como editora de imagem em uma empresa que registra sonhos. Durante seu trabalho ela conhece Maria, uma fotógrafa que está temporariamente na cidade, e se surpreende ao perceber que ambas tiveram o mesmo sonho naquela noite. As duas então aproveitam o pouco tempo juntas enquanto se envolvem em dois mundos, entre os sonhos compartilhados e a realidade.


Algumas vezes em redes sociais vejo um post antigo sendo compartilhado, um panfleto colado em uma rua. O panfleto contém instruções para saber se você está tendo um sonho ou não, ele pede que você olhe o relógio e depois olhe pro lugar em que você está e que depois olhe de novo seu relógio. Se o horário estiver completamente diferente significa que você está dentro de um sonho. O panfleto, segundo algumas pesquisas rápidas, foi colocado em algumas paredes na cidade de Sheffield, não se sabendo exatamente seu autor ou motivo de estar lá. Essa foi uma das primeiras coisas que me veio à mente assistindo “Quando foi que acordei?”. A palavra sonho tem diversos significados. No dicionário, uma de suas definições é “conjunto de imagens, de pensamentos ou de fantasias que se apresentam à mente durante o sono”. Esse conjunto de imagens e fantasia é o dispositivo que estrutura e nos guia no curta-metragem.


O curta se apresenta de forma excepcional logo no seu primeiro minuto, você não sabe exatamente o que está assistindo, a fotografia tem um efeito “cremoso”, tudo tem um ritmo diferente do esperado. Literalmente a primeira sequência parece ter um leve slow motion, existe um vento que não se sabe exatamente de onde está vindo, mas que balança os cabelos da personagem e a destaca imediatamente como esse ser etéreo de uma cena de romance. A atmosfera parece a de um sonho, mas não somente um sonho no sentido romântico, um sonho, também, literal que se tem quando dorme, daqueles que não tem começo nem um fim exato, que tem pessoas que você não lembra de conhecer e locais que você não lembra de ter estado. Com toda essa atmosfera criada apenas nesse único minuto de abertura, o filme te leva à rotina de Maria, cuja função principal no trabalho é assistir o sonho que outras pessoas tiveram enquanto dormiam. Apesar da rotina não deixar a personagem empolgada, ela faz alguma questão de registrá-la mesmo assim, registrá-la em seus aparatos tecnológicos que lembram a série Black mirror, como no episódio San Junípero da terceira temporada e também Crocodilo, episódio da quarta temporada da série.


Na mídia mainstream as representações de romances sáficos, entre duas pessoas com gênero alinhado ao feminino, são escassos ou fetichistas, principalmente quando se trata de Brasil. Por esse motivo, o romance entre Maria e Clarice parece tão surpreendente, não por ser totalmente inovador, mas por nos trazer um desenvolvimento totalmente natural, sem a aura “romance proibido” ou o famoso “mate seus gays” (fenômeno na mídia onde casais LGBTQIA+, principalmente sáficos, têm um de seus integrantes morto no final da trama). Maria e Clarice têm um romance que começa como algo casual e nos leva a representações sensíveis e ternas, principalmente em suas cenas de sexo.


Eu diria que “Quando foi que acordei?” nos transporta para dentro de um sonho, nos diversos sentidos da palavra, tudo nele tem uma atmosfera que te faz suspender a crença na realidade e na linearidade das coisas. O filme te leva em uma jornada em que não importa se a neve cai no início de uma noite quente ou se é possível montar um castelo de areia no meio da sala de estar, o que se faz importante é a sensação deixada por esses eventos.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Procura-se: Um Pato e Um Gato

Por Markos Vinícius Oliveira Bernardino






Procura-se: Um Pato e Um Gato é um curta-metragem realizado em 2024 por Igor Coutinho e Letícia Belfort, discentes da Universidade Federal de Sergipe e estreantes na direção. A obra se apresenta como um convite à reflexão sobre amizade e solidão, nos levando por uma jornada divertida e tocante.

À primeira vista, a trama parece simples, porém surpreende ao desenvolver uma narrativa que mistura humor e uma doçura genuína, que parece cada vez mais rara no audiovisual universitário. No enredo acompanhamos um pato – esfomeado – que, ao vasculhar lixeiras pela cidade em busca de alimento, cruza o caminho de um gato – também esfomeado. E o que inicialmente é uma disputa por recursos, eventualmente se transforma em uma parceria implacável, levando a dupla a embarcar numa série de crimes e bagunças pela cidade.

O que mais me chama a atenção no filme, sem dúvidas, é o contraste entre os protagonistas. De um lado, um pato, animal que costuma caminhar em grupo e protegido por uma figura materna. Do outro lado, o gato, que é conhecido por sua independência e territorialismo. Esse embate de naturezas é o que nos leva ao clímax da história.

É inspirador ver que a fusão entre traços simples – porém bem acabados – e uma trama cativante podem resultar em uma obra sólida e realmente adorável de se assistir. Isso fica claro no terceiro ato do filme, onde o pato, solitário em um beco escuro, relembra momentos felizes com sua dona, enquanto o gato, isolado com sua comida no topo de um prédio, é guiado pela luz das estrelas em direção ao amigo. O momento, sem uma única palavra, consegue traduzir temas universais como empatia e generosidade.

De certa forma, é interessante pensar como o sentimento de abandono do pato, evidente desde a primeira cena, funcione como um dos dispositivos que o torne tão generoso com o gato, que apesar de individualista, encontra na convivência com o pato um motivo para desafiar seus próprios instintos e retribuir a generosidade antes recebida.

Por fim, é impossível não destacar o carinho evidente com que cada cena foi construída. Da composição dos quadros ao ritmo da narrativa, tudo no curta transmite uma sensação de cuidado e paixão. É exatamente todo esse carinho que faz de Procura-se: Um Pato e Um Gato uma obra que supera sua origem acadêmica e me faz acreditar que se trata de um trabalho que merecia estar na TV, certamente passando em algum programa infantil pela manhã, onde pequenas histórias encontram o seu público mais puro.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme KM100


Por Pedro Moraes





Escrito e dirigido por Lucas Ribeiro, o curta-metragem KM 100 foi desenvolvido e realizado como um Trabalho de Conclusão de Curso por estudantes da Fundação Armando Álvares Penteado. Durante seus 20 minutos de duração, o curta conta a história de Miguel e sua jornada em busca de suas raízes. Desde o princípio a narrativa nos mostra que mesmo quando criança Miguel ansiava por respostas e tinha muita curiosidade de saber mais sobre o passado de sua família. Nas primeiras cenas do curta ele busca essas respostas com a sua mãe, no entanto as respostas de sua mãe sobre as memórias de sua família não são o suficiente para lhe satisfazer. Na narrativa principal do curta temos um Miguel já adulto fazendo uma viagem em busca de seu avô, visando conhecê-lo e também para poder perguntar sobre suas memórias de família. Essa viagem o leva ao KM 100 de uma estrada, onde apesar de não encontrar seu avô, ele encontra diversas outras pessoas pelo caminho.


A construção sonora e visual desse curta é feita de uma forma muito cuidadosa e apropriada para a narrativa. Com uma montagem quase que documental em alguns momentos, nós conseguimos sentir como se estivéssemos vendo uma história real se desenrolar em tela, ou melhor, é possível que muitas pessoas se sintam na pele de Miguel por terem passado por situações parecidas. O roteiro é trabalhado com base nesse assunto que é comum ao povo brasileiro, povo que é miscigenado, em que a questão de saber qual a sua origem determina bastante a sua formação cultural e de identidade. Quando Miguel acaba por não encontrar seu avô no fim de sua jornada, esse objetivo dele fica incompleto, ele fica sem conhecer o avô e fica sem respostas, apenas com um vazio não preenchido. Mas aí vem a montagem quase que documental citada anteriormente, porque após Miguel estar ciente de que não iria encontrar seu avô e passar uma noite inquieto, a montagem nos mostra inúmeros planos de pessoas comuns, pessoas que não eram personagens, os ambientes onde eles estavam eram reais, suas roupas e reações ao interagir com a câmera também. Inclusive, percebi em uma segunda visualização que realmente essas pessoas foram creditadas como figuração documental. Particularmente acabei tendo um entendimento sobre o filme que eu não posso garantir que seja a ideia original que os realizadores queriam passar, mas creio que quando Miguel não encontra suas raízes onde ele achava que ele iria encontrar, ele acaba tendo isso em comum com grande parte do povo, e isso de uma forma ou de outra acaba gerando pertencimento.

Por fim, esta foi uma obra que me surpreendeu de forma bastante positiva, por juntar um roteiro excelente com uma qualidade técnica excepcional. É um filme que ainda tem um longo caminho por festivais que ele com certeza fará sua presença ser percebida. Eu poderia dizer que com o orçamento suficiente e a equipe certa, esse roteiro poderia ser um longa-metragem de sucesso, mas acabo caindo no pensamento de que cada história tem seu formato ideal, e sinto que a história de KM 100 conseguiu atingir com sucesso seu objetivo dentro de seus 20 minutos de duração.

sábado, 25 de novembro de 2023

Crítica do curta Mulher Vestida de Sol, por Juliana Sousa da Silva

Com direção, roteiro, produção, arte, som e edição assinados por Patricia Moreira, “Mulher Vestida de Sol” é um curta-metragem de animação 2D de 9 minutos e meio, cuja história nos é apresentada não somente por meio da narrativa animada, mas através de seus cânticos, sua ambientação e seus breves momentos de diálogos que atuam como rezas e poemas ao longo do enredo do filme. O curta nos leva a acompanhar as memórias e experiências da vida de Liah, atuando quase que como um reencontro dela para consigo mesma, em seu interior, de maneira experimental ao nos mostrar essa parte de sua consciência. 

Gosto como o projeto trabalha uma narrativa descontinuada e lírica, como em um sonho, retratando essa busca interior da personagem. Ao longo de todo esse momento dentro do filme, que nos remete a esse aspecto onírico, há também uma demarcação nesse espaço de introspecção, como se a personagem estivesse em um limbo, trazendo por diversos momentos dentro de sua historicidade simbologias específicas como borboletas, ou uma árvore sendo representada como um útero – trabalhando por meio desse signo a ideia de gerar novas vidas. 

Ainda dentro desse aspecto das simbologias, há momentos ao longo da narrativa em que outras mulheres fazem parte de sua história, mas a compreendi como parte do processo da autodescoberta da própria personagem, em diferentes espaços e momentos de suas experiências e vida. Deste modo, o curta nos convida a fazer uma grande reflexão sobre os complexos caminhos do ser e do existir, traçando paralelos entre as vivências dessas mulheres e a sua própria.



Crítica do curta Do Tanto de Telha no Mundo, por Victor Quadros

Saudade é uma palavra que só existe na língua brasileira, ela engloba sentimentos que vão além da falta, além da ausência, da carência. Saudade no Brasil tem gosto, tem cheiro, tem cores, tem sons e poucas coisas deixam mais saudade do que o lugar de onde somos. O curta-metragem cearense “Do tanto de telha no mundo” é o retrato de uma saudade premeditada, que quase todos que buscam crescer longe de casa um dia irão sentir. O filme acompanha Leo, um artista jovem, voltando para Juatama, o interior em que cresceu e onde Cleide, sua mãe, ainda mora. 

“Do tanto de telha no mundo” tem uma natureza muito relacionável, não tanto pela visualidade (isso depende de outros fatores, claro), mas sim pela sensibilidade ao retratar a relação de uma pessoa com o lugar de onde ela veio, mais ainda, a relação com a pessoa que a criou. A história de Leo é comum entre jovens que deixaram o interior em que cresceram, é importante ressaltar que esse movimento para os centros urbanos parte mais da falta de acesso a oportunidades do que de uma vontade genuína da pessoa que deixa sua cidade, daí a saudade tão conflitante de casa. Nessa familiaridade distante, o filme ganha uma potência emocional que é disposta na tela sem muita complexidade. Uma mãe e um filho sentados em uma mesa tomando café, um filho que tem dia e hora para partir, uma mãe, uma cidade, que estarão sempre de braços abertos. 

É muito conflitante esse aspecto ambíguo da saudade, a melancolia de algo que não está aqui e a alegria das memórias boas de algo que já esteve perto. Se torna algo quase incomunicável, penso que essa natureza complexa do que é saudade consegue ser transmitida e comunicada através das imagens mais simples: o retrato de uma pessoa que já partiu, fotos da casa em que cresci, uma música, um cheiro, todas coisas que residem no passado. Leo, ao voltar para sua cidade natal e saber que irá para tão longe dela, experiencia uma saudade do momento presente, dos cômodos de sua casa, das ruas da sua cidade, da sua mãe, é o último momento - pelo menos por bastante tempo - em que ele se sentirá em casa e através de enquadramentos, sons, objetos, interações, nós também somos contaminados com essa saudade “ao vivo”. Nos faz lembrar de nós mesmos, das nossas casas, das nossas famílias, das nossas trocas. 

É comovente ver cinema universitário sendo feito dessa forma, com uma história e discurso que, imagino eu, todo jovem artista brasileiro, principalmente do norte e nordeste, consegue se relacionar. Existe um sentimento forte em “Do tanto de telha no mundo”, e em quase todo filme universitário, de uma coletividade que existe por causa de discursos que a representam, de maneira mais ou menos direta. No caso de “Do tanto de telha do mundo” essa colaboração resulta numa experiência fílmica emocionante, através de suas imagens, repletas de visuais que nos fazem lembrar de casa e através dos seus sons e músicas que permeiam o imaginário. É necessário uma sensibilidade singular para transmitir certas emoções e a pessoalidade intrínseca do filme faz com que tudo se desenrola muito organicamente, com a familiaridade que o filme exige. 

Eu diria que “Do tanto de telha no mundo” é um grito de saudade, mas em vez de nos chocar, impactar, explodir, o filme vai crescendo lentamente dentro do peito, vai nos familiarizando com o espaço, provocando lembranças, quando de repente, sem surpresa alguma, nos vemos tomados por uma saudade. Isso é mérito também da direção singela e potente de Bruno Brasileiro, que me surpreendeu da melhor maneira possível, é sempre bom se relacionar com o que se assiste e se sentir um pouco mais próximo da pessoa que realizou aquilo e esse filme me deu essa oportunidade.

O fim não é o fim. Crítica do curta Apoptosis, por Daniel Clemente

O curta de animação Apoptosis é uma obra de ficção científica que nos faz refletir sobre a fragilidade da vida e a solidão da existência. Com uma ilustração impressionante, que mistura realismo e surrealismo, o curta nos transporta para um cenário de futuro apocalíptico, onde a natureza está morta e a civilização está em ruínas. Acompanhamos a rotina de Deni e Alain, um casal que vive em uma espécie de casa/bunker protegido da contaminação externa de uma doença que está exterminando a humanidade. O ciclo de suas vidas é alterado após a contaminação da parceira de Deni. Elas sabem que não há esperança de salvação, mas ainda assim tenta manter a sanidade e a humanidade a espera do fim.

O pessimismo com o fim do mundo é um pensamento recorrente do ser humano. Inspirado em um poema de 1912 de Thomas Bailey Aldrich, e em tempos pós-Covid, Apoptosis consegue facilmente transportar os espectadores para a diegese do filme. A narrativa é carregada de emoção e poesia, criando um contraste entre a beleza da melodia e a feiura da realidade. O curta também faz uso de simbolismos e metáforas, como a borboleta que representa a vida e a transformação.

O traço das ilustrações presenteia o espectador com belas cenas, porém o ritmo lento da animação deixa os momentos de ambientação um pouco tediosos. Há de se destacar que todo o processo de produção foi realizado unicamente por Brenda Bastos, provando com maestria a sua capacidade em fazer uma animação sem a necessidade de uma grande equipe.

O curta de animação Apoptosis é uma obra que nos emociona e nos faz pensar sobre o valor da vida e o sentido da existência. É uma obra que nos mostra que, mesmo diante do caos e da morte, o poder do tempo reina sobre tudo aquilo que vivenciamos no presente. Apoptosis é um curta que merece ser visto e apreciado por todos os amantes da ficção científica e da animação.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Crítica do curta Zé Onça: Relatos de uma Memória, por Louise Di Fátima

No cenário desafiador da pandemia, muitos criadores e artistas se viram diante de limitações significativas, mas também oportunidades únicas para explorar novas formas de expressão. "Zé Onça: Relatos de uma Memória" (2021) é um exemplo disso, onde o diretor Túlio de Melo cria um curta-metragem que não apenas se adapta às restrições impostas pelo distanciamento social, mas também se aprofunda nas riquezas das histórias familiares. Este filme mergulha nas águas profundas dos rios do Tocantins, acompanhando um dia de trabalho de Zé Onça, pai de Túlio e personagem principal dessa narrativa. 

O filme é registrado nos cenários naturais dos rios da região, oferecendo uma experiência visual deslumbrante, destacando a beleza da natureza dos rios do Tocantins, explorando não apenas a pesca como uma atividade diária mas também proporcionando uma visão única de Zé Onça, através de suas memórias.

Criar uma narrativa significativa a partir de memórias pode parecer uma tarefa fácil, mas a complexidade está em descobrir o que realmente ressoa com o público e como tornar essas histórias envolventes. Com a contribuição da Inteligência Artificial, por exemplo, Túlio de Melo contribui para narrativa com a restauração e animação de fotografias e fotopinturas antigas da família. A utilização da inteligência artificial se torna um meio de criar uma ponte visual entre o passado e o presente, enriquecendo a narrativa. 

Zé Onça, relata que viveu uma parte da sua vida isolado com sua família conhecendo tardiamente as inovações urbanas: como carros, caminhões e aviões. Isso o fez sentir-se como um "índio" diante do desconhecido. Situação que demonstra como foi construída sua infância em Goiás. Se revelando uma realidade dolorosa: apesar da abundância de irmãos, a solidão permeia a vida de Zé Onça. Seu pai, que se casou e uniu-se muitas vezes, não manteve relações próximas com todos esses irmãos. Seu apelido foi dado por uma situação complicada na infância, onde sem querer acabou machucando um amigo e sendo chamado de "amigo da onça" por sua professora na época que disse para esse amigo se afastar dele, por conta do ocorrido. Seu apelido permaneceu até os dias atuais, porém isso tudo, se reflete em um cenário de desconexão e ausência que refletem suas atividades como um pescador solitário. 

"Zé Onça: Relatos de uma Memória" é mais do que um simples registro da vida de um pescador. É uma jornada poética que transcende o tempo e o espaço, capturando a essência da vida de Zé Onça e as lições preciosas que ela oferece. É uma obra que ressoa com a busca pela conexão em tempos conturbados, como o isolamento social trazido pela pandemia. Túlio de Melo entrega ao público uma experiência que transcende a tela e convida a reflexões sobre a importância das histórias que carregamos e a criatividade que pode surgir mesmo nas circunstâncias mais difíceis.

Sobre ancestralidade, tradição e fé. Crítica do curta Erva que Cura, Erva que Benze, por Vinícius Caeté Ramos

O curta documental produzido por discentes da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, com a direção de Caroline França, traz o aspecto dos saberes tradicionais para a tela, como o próprio nome da obra deixa explícito. O curta documental aborda os saberes ligados às ervas medicinais e sagradas que dentro da cultura popular, principalmente no interior do país, têm uma importante papel no que podemos chamar de medicina tradicional brasileira. Um aspecto muito importante do filme é o protagonismo de pessoas negras, principalmente mulheres. 

Analisando o filme a partir de um critério técnico, acredito que cumpra muito bem a sua proposta. A obra inicia buscando mostrar aspectos ligados à natureza, como as plantas e as águas, mas posteriormente trazendo o ambiente bucólico com elementos do dia a dia de uma vida simples no interior, tudo isso com uma reza cantada como fundo sonoro, que combina muito bem com as imagens, o que conduz o espectador a uma sensação de leveza e calmaria. A ideia de direção mistura planos de entrevista com planos mais contemplativos do espaço ou das próprias rezas, optando por uma construção sonora mais crua, o que traz a produção uma mistura de trilha e som direto. 

Apesar da direção optar por um estilo mais canônico dentro da estética documental, que é o documentário com entrevistas, “Erva que cura, Erva que benze” conta com uma montagem que leva a obra para um local mais de um filme poético e intimista, como se o filme fosse feito da mesma maneira que se constrói uma música, progredindo cenas como as notas musicais se perpassam em uma progressão harmônica. Pessoalmente fazendo com que além de ver o filme, pudesse senti-lo, da mesma forma que uma canção se sente além de uma mera escuta. 

Entretanto, o espirito da obra está em colocar as vozes e corpos negros como elementos de importância e como figuras de respeito, principalmente essas figuras sendo mulheres. Vozes que estiveram por muito tempo longe das telas, saberes que se passam de boca a boca, de geração em geração e agora estão ganhando as projeções, percorrendo lugares, adentrando os festivais e tocando pessoas que apesar das diferenças, conseguem sentir o peso e a beleza dessa cultura tão rica.  E como diria o cantor Chico César, quando o preto fala o branco cala ou deixa a sala com veludo nos tamancos, e me dando a oportunidade de mais uma vez parafraseá-lo, esses saberes vem da África, assim como meus santos. 

Outro elemento que me faz pensar na obra é o choque geracional, de como as novas gerações estão se afastando de suas raízes e como a tecnologia e globalização têm atuado para isso, visto até na fala de uma das entrevistadas que diz que está cada vez mais difícil encontrar pessoas que tenham o domínio dos saberes ancestrais, o que traz o pensamento de que estamos cada vez menos vivendo em comunidade. Vale questionar como o modo de vida capitalista está cada vez mais transformando a vida em um conjunto de individualidades voltadas a conquistas pessoais e deixando de lado o corpo coletivo, mesmo muitas vezes não partindo de uma escolha individual, mas de um direcionamento sistemático da sociedade que estamos inseridos. Voltamos para mais uma fala presente no filme para ilustrar esse pensamento, que diz que a reza não pode ser cobrada, porque o que vem de Deus não pode ter preço, e mais uma vez me questiono, dentro desse sistema existe ainda espaço para o que não tem preço? E como isso afeta na percepção dessas novas gerações tão inseridas nessa lógica, apesar de que, a luta para manter esses saberes vivos sempre foi árdua, e consequentemente continuará sendo. 

Por fim, não gostaria de dizer se a obra é boa ou ruim, pois acredito que o cinema se descreve em variáveis muito mais complexas que essa simples dualidade, gostaria de dizer que a obra é necessária, precisamos registrar os nossos saberes, o rosto das nossas pessoas, a alegria e a fé que existe dentro de todos nós, trabalhadores brasileiros, e de como nos podemos contar nossas próprias histórias, de uma maneira única, bonita e nossa.

Crítica do curta Histórias que nos contam, por Luane Garcia Pimenta

 


Um relato sobre a saudade, sobre a lembrança e o quanto o amor de uma avó pode perdurar dentro de nós, mesmo após a partida da mesma. 

O documentário, dirigido pelo jovem baiano Luan Santos, toca em um ponto sensível para aqueles que conviveram com suas avós, que as amaram, com toda a profundidade que crianças podem amar, e que agora, no presente, arranjam maneiras de conviver com a falta que suas partidas fazem, não importando o tempo que já tenha se passado. 

No relato, narrado pelo próprio cineasta, conhecemos o que ainda há dentro de si, sobre sua avó Lurdes. Inicialmente temos conhecimento sobre o porque que a senhora Lurdes não se encontra mais presente, e logo após, descobrimos por meio de seu neto, pedaços de quem essa senhora era, por meio de detalhes presentes em lembranças tanto mentais, quanto físicas, que se dão por meio das fotos que nos são apresentadas, enquanto Santos narra. 

Em um determinado ponto, Santos revela sobre o gosto que sua avó tinha pelos momentos em que alguém tirava uma foto sua, e agora empenhando-se para   para ser um cineasta, pergunta se avó apreciaria seus projetos audiovisuais, e isso, creio possa tocar em alguma medida, outros realizadores da mesma área, que também perderam alguém que gostariam muito que pudesse ainda estar presente para apreciar seus filmes. Quantos de nós, não produzimos filmes, para tentar de alguma forma falar com alguém que já partiu. Nem que seja para dizer adeus. 

E é através das mesmas fotos, que se compreende que Santos não é o único membro de sua família que sente a ausência da matriarca, e então, temos conhecimento dos outros membros da família, que também partilham da mesma saudade. 

Em relação aos aspectos técnicos, a edição, realizada pelo próprio diretor, é o mecanismo que proporciona a sensação de proximidade com quem assiste sua obra. A maneira como as fotografias são exibidas, aos pedaços, para logo após formarem um todo, contribuem para o sentido da narrativa que acompanhamos, por meio da narração em voz-off. 

A união de tudo isso colabora para o surgimento de um interesse em continuar a conhecer mais, e mergulhar  por mais tempo na história íntima de uma mulher, de uma mãe, irmã e avó que foi e ainda é amada e lembrada, tanto que está eternizada num filme, o que pode ser considerado um meio de dizer que aqueles que se vão, ainda permanecem dentro de nós, às vezes, como imagens em movimento.



Crítica de Amélia em Transe, por Maísa Santos

Amélia em transe (2021), dirigido por B.N.L e por Thaís Melo, é um filme de ficção em que o espectador acompanha o Making Off de um set de filmagens, e as relações caóticas entre as personagens envolvidas na trama. A narrativa é intercalada entre as cenas que mostram as dificuldades que a equipe enfrenta na gravação do plano final de um filme de ficção, que ocorre dentro do próprio filme, e entre as entrevistas cedidas ao Making off, com as personagens do Diretor, da Produtora, da Atriz, do Operador de câmera e do Estagiário. É um filme envolvente que narra de maneira divertida os conflitos nessa produção, e se utiliza da metalinguagem para a criação dessa atmosfera de “filme dentro de um filme” e ainda para revelar um impressionante plot Twist no final. 

O curta traz para as telas um teor de comédia para situações de backstage de uma produção audiovisual, de uma maneira bastante engraçada e cativante. Em seu início é apresentada a narrativa de que é um filme de ficção habitual, mas logo se revela ser o “ por trás das câmeras” de um set de filmagens, indicando para o telespectador a “narrativa em abismos” escolhida como recurso essencial para o filme. Amélia em transe nos remete muito à estética de Making off de filmes produzidos nos anos 2000, e entrega nostalgia e identificação para o público que está inserido no âmbito audiovisual, sejam as pessoas que trabalham na área, sejam as pessoas amantes de audiovisual e cinema. 

A direção do filme trabalha as relações entre as personagens, os diálogos, os conflitos e as piadas com um timing excelente entre as cenas de ações em que ocorrem esses conflitos, e as cenas de entrevistas das personagens desabafando sobre esses conflitos, entregando toda a atmosfera cômica que a direção se propôs a executar. E os setores criativos de arte, de som e de fotografia conversam muito bem entre si, e com as ideias que o diretor propõe para a narrativa, e desempenham os cenários, os figurinos, as planificações e o som de qualidade adequada ao projeto, de um modo notável. 

Amélia em transe encerra seu arco diegético de uma maneira surpreendente, quando a narrativa em abismos revela mais uma camada e o espectador pode contemplar que toda a história é, na verdade, ‘um filme dentro de um filme dentro de um filme’. O que primeiro parecia ser um filme de ficção, e que se revelara ser um set de cinema e gravação de Making off, é, na verdade, um outro filme de ficção sobre um Making off e uma gravação conflituosa de um filme. A virada de plot, realizada nos minutos finais do filme, ocorre de uma maneira excepcional e que leva a revelação a um bom desfrute do filme todo.

Crítica do curta Casa dos Espelhos, por Igor Bilby

O filme Casa dos Espelhos, do diretor Paulo Carter, do Porto Iracema das Artes, em Fortaleza, Ceará, conta a história de uma estudante com um transtorno dissociativo de identidade, como ela lida com isso pelo fato de ter ido a uma festa que ela própria disse que não iria. No dia posterior, ela nem se lembra de ter ido ou de ter causado na mesma, sendo lembrada por um amigo. 

O curta-metragem de 15 minutos mostra um protagonista provavelmente de uma escola de teatro, essa personagem traz uma questão da relação de amizades dentro das escolas/faculdades com o Transtorno dissociativo de identidade, o TDI, sendo o tema principal da obra. No filme, isso se mostra de diversas formas, como por exemplo a parte na qual ela conversa com ela mesma, no caso, outra personalidade e logo em seguida mostra ela sozinha naquele ambiente. Em outro momento, vemos um diálogo que explicitamente é externo, como se fosse um desabafo, mas na realidade ele é interno, onde só se percebe que são duas pessoas conversando dentro de um corpo só quando uma das personalidades se dá um beliscão. E, como último exemplo, a última troca de figurino da personagem intercala cenas perfeitamente montadas com as personalidades da única personagem, uma mais tímida, uma mais realista, uma mais segura de si e, por fim, a mais caótica, afrontosa. É essa então que de decide causar indo aquela festa. 

A montagem do filme segue uma linha interessante, pois ela se intercala no dia 0 e no dia 1, que é o dia posterior à festa, e todas suas consequências. E isso se mostra em um ritmo que leva o espectador para pequenos momentos do antes, depois e também durante o acontecimento. Há apenas um momento confuso nessa linha do tempo, que é uma das personagens dentro da personagem principal indo tirar satisfação do pessoal da escola, mas isso não apaga o brilho de todo o filme e sua forma de montagem, roteiro, fotografia e direção impecável. 

A obra é bem importante para o cenário universitário audiovisual porque traz algo que uma grande parcela dos jovens vive, no caso festas e relações intensas de amizades, seja na universidade, seja fora da universidade, algo que realmente é bem universal dentro desse contexto.



Crítica do curta Baseado em fatos, por Igor Bilby

 

O Filme “Baseado em Fatos”, da Diretora e Roteirista Amanda Rezer, da Universidade Federal de Pelotas, situada no Rio Grande do Sul, conta como Mari enfrenta uma abstinência fora do comum. Mari conta um pouco de como conheceu seus amigos e como conheceu Pedro seu namorado e agora com quem divide o aluguel e conhece todos eles da mesma forma, fumando maconha. Em algum momento, Mari se vê fumando demais, acumulando tarefas normais de casa, esquecendo coisas, deixando essas tarefas importantes passarem, chegando em um ponto que os dois discutem e Mari resolve parar de fumar, lhe causando uma abstinência bem significativa dentro da visão dela. 

O curta levanta uma questão que jovens usam deliberadamente drogas ilícitas, até serem satirizados, por um momento, enquanto eles assistem TV na sala. E também o filme mostra uma forma de resolução bem inteligente desse problema enfrentado pela Mari, quando um “santo”, uma entidade da cabeça protagonista que representa a personificação da maconha, que é um ponto bem positivo do filme, pois traz algumas referências mas não esteriótipos, e ele se projeta para ela, dizendo, basicamente, que algumas frases referenciadas da física e uma explicação e relação de prudência, responsabilidade, fardo e a vida de forma bem simples, tranquila e emocionante. 

Ir com a mente aberta para o assistir o filme é primordial. Inicialmente, é difícil alguém relacionar do que se trata o filme, mas quando as situações vão acontecendo o filme mostra isso de uma forma tranquila. Partindo, então, para a verdadeira problemática, o  excesso de baseado, e então se entende o título do filme. Mari se vê bem perdida em seus afazeres e toma sua decisão sem pestanejar, trazendo toda aquela abstinência para então levar as soluções e sua grande lição, deixando o filme leve como a vida, leve como as verdadeiras amizades que compartilhamos as melhores brisas. 

Acredito que o curta-metragem conversa bastante com os jovens, até além do campo universitário, fazendo que o público-alvo fique mais amplo na sua proposta. O curta conversa bem com os jovens e traz tranquilidade nas piadas, mas poderia tentar trazer todo esse contexto do jovem para os mais adultos, que também já passaram por essas fases, todos esses momentos, com ou sem drogas. 



Crítica do curta-metragem Nó Cego, por Geraldo Tavares

O curta-metragem “Nó Cego” mostra a noite de aniversário de Davi nos preparativos para sua festa. Ele está em uma discussão no telefone, quando um menino toca sua campainha, o menino está com os cadarços amarrados com um nó. Ele entra na casa e, assim, o curta começa a tratar seu principal tema: a aceitação de pessoas LGBTQIA+ pela família. O uso de metáforas e alegorias são excepcionais no roteiro do curta-metragem, a ideia de tratar o dilema do personagem como um nó, que pode ou não ser desmanchado, pois a obra gira em torno dessa relação do cadarço com o nó e dos dilemas que Davi precisa resolver aquela noite. A ideia da fantasia que os personagens citam também é interessante à análise de que pessoas LGBTQIA+ não conseguem mostrar quem realmente são. O medo de não serem aceitas é muito bem trabalhado dentro diálogo, que apesar de toda a leveza, ainda assim tem um impacto que leva o espectador a uma reflexão sobre o assunto ou até uma identificação com o conflito do personagem. 

O plot twist era algo meio que já esperado, a descoberta de que o menino é seu "eu" do passado que vem para fazer ele se questionar sobre como a vida dele está no presente. Mas, ainda assim, tem seu mérito, muito por conta da escolha da transição que é usada de uma cena para a outra. 

É interessante destacar também a fotografia do filme, na qual o uso de planos mais fechados busca trazer uma ideia de intimidade na relação e diálogos dos personagens. No final do curta, descobrimos a relação real dos personagens, então é muito boa essa construção que a fotografia traz ao curta. 

A direção de arte também tem seu destaque no curta, principalmente quando nos mostra detalhes que não são falados do personagem, e principalmente na revelação do plot twist, a construção do quarto, que apesar de trazer uma construção mais minimalista, eleva emoção que o plot twist merecia. 

Nó Cego é um curta metragem que me surpreendeu bastante, e destaco o quão boa foi a experiência de assistir à obra, pois ela traz camadas muito interessantes que com certeza irá levar o espectador a reflexões sobre os assuntos que a obra trata.



quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Crítica do curta O Sonho Continua, por Isabela Gomes

O curta documental O Sonho Continua, dirigido por Paulo José, rodado em Vitória da Conquista, conta de forma concisa a história de Edmundo Lacerda Campos, um homem de 70 anos que remonta sua infância humilde no interior de uma pequena cidade de fronteira e sua mudança para Vitória da Conquista. Assim, narra o início de seu sonho com o mundo do cinema, relatando sobre suas invenções, juventude inventando histórias, e aspiração com a 7° arte. Até o momento da realização de ver sua média-metragem O Sonho de Zezinho saindo do campo das ideias, e posteriormente, sua entrada no curso de Cinema na UESB. 

Este breve documentário trata não somente sobre a questão da realização de sonhos e da resiliência para conquistá-los, bem como mostra também acerca de  quando os sonhos parecem nos  "rodear", ou seja, estão sempre ali com os seus sonhadores.  Levantando a questão de que devemos viver nossos sonhos independente do tempo que isso irá levar e as adversidades que a vida nos coloca. Portanto, diante de tantos obstáculos decorrentes da vida, por fim vemos que são justamente eles os "instrumentos" que irão nos fazer alcançar nossos objetivos e continuar sonhando. 

O filme sabe misturar relato e dramatização, utilizando até mesmo  algumas cenas do filme  do próprio Edmundo Lacerda, destacando de maneira sucinta todas as partes de maior importância durante as fases de vida do entrevistado para o público. Por seu formato simples e intimista, o documentário não demonstra contradições ou furos de roteiro, pois segue o formato de entrevista, no qual Edmundo Lacerda fala como se fosse uma simples conversa, detalhando sua vida pessoal, até mesmo levando exemplos de como utilizava objetos simples para recriar e imaginar sua vida como em um filme. Ao final, também vemos adicionadas informações acerca da caminhada de Edmundo até recentemente, evidenciando que os sonhos não acabam quando eles se realizam. 

Embora apresente relatos e dramatizações (cenas de A Vida de Zezinho) para ressaltar a caminhada pessoal de Edmundo Lacerda, a maior parte do documentário acaba sendo apenas o relato do entrevistado, o que pode ser um pouco cansativo para alguns espectadores, porém nada que exacerbado. E no final, apesar de poder ter sido uma escolha mais realista do realizador, o áudio "estourado" da gravação da entrega do prêmio, pode acabar destoando um pouco do restante do curta. 

O Sonho Continua é um bom exemplo do formato documentário observatório e biográfico, pois além de chamar a atenção para os fatos sem interferências de terceiros, também nos permite ver um pouco da infância do entrevistado através de seu próprio trabalho. Diante à câmera, o entrevistado Edmundo Lacerda tem um espaço livre para que narre trechos de sua vida sob seu olhar, demonstrando partes de suas vivências, como a de sua câmera improvisada para brincar na infância. 

Por fim, o público pode sair com o sentimento de motivação e esperança de que os sonhos podem sim serem realizados, não importando idade ou o tempo que poderá levar. Assim como muitas vezes são os nossos sonhos que nos perseguem, e devemos ouvi-los e dar a chance de vivê-los sem medo e preconceitos.

Um informativo sobre a necessidade da preservação e manutenção do audiovisual brasileiro. Crítica do curta Material Inflamável, por Ícaro Santos

O curta-metragem documental Material Inflamável parte da premissa de explicar como a falta de fomento no que tange a preservação pode fazer com que o acervo audiovisual do país seja facilmente perdido e até mesmo cair no esquecimento. Em doze minutos, os diretores intercalam  imagens de arquivos de famosos filmes nacionais, reportagens sobre o incêndio de 2021 na Cinemateca Brasileira e entrevistas com personalidades do audiovisual. 

No filme, que parece muito mais uma reportagem para televisão, temos a dimensão da falta de fomento e cuidado por parte do governo com nosso rico e diverso audiovisual. Os cineastas buscam explicar logo no início o porquê do nome do filme e o curioso é que quando se pesquisa esse nome na internet é comum aparecerem notícias sobre o trágico incêndio em um dos galpões da instituição. É sempre bom lembrar que este é o quinto episódio em que o fogo queima a história videográfica do país dentro da cinemateca. 

O filme, por vezes, fala sobre como o cinema e o audiovisual guardados nos prédios da cinemateca são quase sempre vistos e amados por uma pequena parcela da população, e não é como se o restante das pessoas não se importasse de fato, mas o acesso de muitos é quase sempre limitado devido à diferenças sociais e até mesmo políticas. Hoje nós temos poucas salas de cinema que estão dispostas a exibirem filmes brasileiros de fato, ou seja, grande parte da população nem entende a função de uma instituição como essa, porque essa instituição parece não ter sido feita para todas as pessoas. Esse ponto é muito tocado na fala de Gabriel Martins, diretor do filme Noites Alienígenas. 

A montagem do filme é um pouco cortada demais e por vezes confusa e o áudio das entrevistas parece pouco trabalhado. A direção é extremamente jornalística, muito provavelmente fruto da formação de ambos os diretores. É um filme que passa rápido, mas que pode muito bem ser escutado no formato de podcast, já que as imagens, usadas aqui numa função de preenchimento, não se fazem tão necessárias quando comparadas aos áudios presentes nos doze minutos corridos. 

O ponto chave do projeto é a informação e ao se propor isso, os realizadores cumprem com a função social de informar e questionar fatos necessários e atuais acerca do passado, presente e futuro do cinema e do audiovisual no Brasil.

Crítica do curta Marius Bell em Cartaz, por Thiago Henrique Ferreira

"Marius Bell em Cartaz", documentário de George Augusto, narra a trajetória de um artista despercebido das décadas de setenta, oitenta e noventa. Marius Bell era responsável pela arte dos cartazes que chamavam atenção nas frentes dos cinemas do centro histórico de Manaus. Tais obras, vistas por todos, mas não atreladas aos seus autores, ganham espaço e reconhecimento no filme. 

O projeto aborda o tema de forma direta, concisa, e se utiliza de técnicas convencionais da linguagem documental. A narrativa é guiada pelo próprio Marius Bell, contando sua trajetória, conquistas e dificuldades, trazendo carga simbólica e emocional à obra, também a deixando única, por conta da riqueza de detalhes e contexto. 

A escolha de mostrar os cartazes em tela enquanto o artista narra sua história foi assertiva, expositiva e funciona perfeitamente com as outras escolhas tomadas pelo diretor. Outra boa opção foi mostrar o processo de confecção desses cartazes, a forma como eram feitos pelo artista em seu tempo de atuação, isso instiga o espectador com as técnicas e o processo de tais artes. 

Em suma, Marius Bell em Cartaz é um relato saudosista e simbólico sobre a criação de cartazes para o cinema, uma arte quase oculta sendo mostrada em tela, onde cada pincelada transmite a essência de uma história, sendo que cada detalhe é uma expressão de carinho pelo cinema, não se tratando apenas de cartazes, mas portas para novos mundos e experiências.

Crítica do curta Cida Tem Duas Sílabas, por Laura Silva do Amaral

O filme “Cida Tem Duas Sílabas", da diretora e roteirista Giovanna Castellari, da FAAP em SP, traz para nós uma realidade comum entre mulheres de baixa renda, analfabetas e que sustentam seus lares. O filme mergulha na vida desafiadora de Cida, que cria sua neta e provê sustento para seu lar, que enfrenta também exploração no ambiente de trabalho, tratando de uma realidade vivida por várias mulheres no Brasil. O filme oferece uma narrativa envolvente que destaca as lutas enfrentadas por trabalhadoras em situações precárias. Cida, uma costureira analfabeta que, para sustentar sua casa, se vê presa em um contrato injusto que a explora. O enredo se desenrola quando ela inadvertidamente assina um acordo que a obriga a horas extras não remuneradas, comprometendo sua capacidade de cuidar de sua neta e, por extensão, de equilibrar suas responsabilidades familiares. 

O roteiro habilmente expõe as injustiças no local de trabalho, destacando as dificuldades que trabalhadoras como Cida enfrenta. Traz o fato de que muitas vezes essas mulheres que estão a frente na família acabam fazendo grandes esforços para prover uma casa e alimento para as pessoas que dependem dela. Muitas vezes a falta de estudo, como acontece com Cida, se torna o maior motivo para que os donos das empresas se aproveitem dessa mão de obra barata, mas o filme também nos traz o fato de que muitas vezes essas mulheres querem ter conhecimento, querem seus direito e querem no mínimo saber escrever seu nome. A trama, ao trazer o tema de exploração no trabalho e ao mesmo tempo uma resistência, oferece uma crítica social poderosa. 

"Cida Tem Duas Sílabas" é uma obra envolvente que toca profundamente questões sociais relevantes. A representação autêntica das lutas cotidianas de Cida e sua jornada para superar adversidades ressoam de maneira universal. A direção sensível e o cuidado que tiveram ajudam a transmitir a atmosfera tensa e muitas vezes opressiva do ambiente de trabalho de Cida. As cenas revelam os contrastes entre sua vida profissional e pessoal, proporcionando uma experiência visual impactante. 

A trama também destaca a importância do apoio comunitário na forma da professora da neta, quando ela acaba sendo de grande ajuda, tanto para que Cida continue seu trabalho e sua neta estudando, quanto o fato dela ser a pessoa que ajuda Cida a entender que está sendo explorada no trabalho, adicionando camadas de esperança à narrativa. É mais impactante quando percebemos que o apoio vem de de uma outra mulher e que, na sociedade, é preciso ter esse apoio entre as mulheres. 

O fim do filme é tão importante, mostrando a força que Cida tem em enfrentar o seu chefe mesmo perdendo o emprego, porém não sendo a realidade da maioria, que é representado pelas colegas de trabalho dela. Na realidade, muitas vezes elas precisam continuar caladas e sendo exploradas pelo fato de precisarem do dinheiro, mesmo que seja um quantia inferior do que deveriam receber. 

Em conclusão, "Cida Tem Duas Sílabas" não apenas conta uma história cativante, mas também lança luz sobre questões sociais importantes. Sua abordagem equilibrada entre a crítica social e a narrativa pessoal contribui para um filme impactante e memorável. Recomendo vivamente para aqueles que apreciam filmes que provocam reflexão e oferecem uma visão mais profunda das complexidades da vida moderna.

Crítica do curta Frutinha, por Danilo Carvalho Ribeiro

Direção de arte e fotografia são dois dos elementos fundamentais na construção de um filme, então é ótimo ver que Frutinha se destaca nesses aspectos. Frutinha aborda um tema delicado e importante, explorando a jornada de um menino gay ainda na infância, lidando com a descoberta da sua sexualidade enquanto aprende a enfrentar o bullying vivido na escola. A história se propõe a oferecer uma reflexão sensível sobre questões de identidade e aceitação, e assim o faz, explorando a relação que se desenvolve entre o protagonista e seu amigo, que se mostra um elemento central da trama. 

Uma das características notáveis deste filme, além de uma direção de arte rica em detalhes que dão ainda mais profundidade para a personalidade e contexto dos personagens, é a fotografia de cores saturadas que cria uma atmosfera cativante, adicionando intensidade às cenas e atraindo a atenção de um público alvo infanto-juvenil. Toda a direção de arte usada aqui, desenhos, decorações, figurinos e adereços, desempenham um papel fundamental na construção do mundo imaginativo e emocional do filme. Os elementos visuais foram escolhidos cuidadosamente para apoiar a narrativa e ambientação da história. 

As atuações do filme são convincentes, e sua qualidade transmite emoção e profundidade para os personagens. Isso indica uma excelente direção de elenco, que pode ser muito trabalhosa em filmes cujo elenco é infantil. O roteiro, apesar de simples, é muito bem executado, os momentos de tensão emocional são respeitados e retratados de uma maneira compatível com um público-alvo livre. 

Em suma, é encorajador ver filmes que abordam temas sensíveis de forma coesa e empática, ajudando a aumentar a conscientização e a compreensão sobre as experiências de pessoas LGBTQIA+, especialmente numa fase da vida tão decisiva como a infância. O filme se mostra de grande importância para a aceitação vinda dos pais e responsáveis e para o reconhecimento e acolhimento daqueles que ainda estão se descobrindo, além de estabelecer um diálogo que convida a refletir sobre o combate ao bullying nas escolas. Frutinha é um filme bonito, simples e sensível, acertando no que se propõe a ser.

Crítica do curta Mecanismo, por Bruna Nathalia Moraes Monteiro

O curta-metragem “Mecanismo” surpreende com sua temática complexa, um enredo coeso e com a forma que os realizadores escolheram para produzi-la, por conta disso, é uma ótima recomendação, para alguém que nunca tenha assistido alguma obra cinematográfica do cinema experimental. Ao vê-lo, o espectador passa a ter uma compreensão melhor dessa vertente do cinema. 

A obra mostra uma sociedade que está à beira de uma revolta populacional, devido a falta de empregos, pois os trabalhadores estão sendo substituídos por máquinas, o que gera uma crise de fome na população mais pobre. O curta se utiliza de imagens e cenas de outros curtas para nos mostrar sua história, assim uma temática que seria difícil de sair do papel em nosso país, devido ao alto custo de produção, se torna realidade. Falando dos quesitos técnicos, o curta é quase que inteiramente em preto e branco, tirando alguns detalhes que aparecem na cor vermelha. Essa escolha dos realizadores foi muito assertiva, pois pude sentir através da fotografia o sofrimento e a revolta daquela população que está desamparada. As montagens feitas nas imagens foram bem produzidas, pode-se notar o cuidado que tiveram para fazê-las, para que não prejudicasse a imersão do espectador. O som é algo que tem que ser exaltado, o trabalho na escolha das trilhas e dos efeitos sonoros. Nenhum som se sobre sai ao outro e temos uma boa harmonia entre eles. 

Por conta disso, ressalto minha fala no início do curta “Mecanismo” ser uma excelente obra para quem nunca tenha visto algum filme de cinema experimental, pois o espectador pode ter sua primeira experiência sem que se sinta confuso ou enfastiado, e ao final curta, conseguindo  compreender o tema que foi apresentado.

Crítica do curta Rouxinol, por Ângelo Souza

Rouxinol, segundo curta-metragem produzido pela Matilha Filmes e dirigido por Diego Maia, apresenta um romance experimental sob a perspectiva distorcida de seus personagens. Na trama, um homem e uma mulher vivem uma realidade monocromática, alternando entre cenários insípidos, góticos, melancólicos e solitários. Cercados por esse mundo, tornam-se reflexo dele ao enxergar beleza em sua podridão, admitindo a contradição como parte de um ciclo natural, ao qual anseiam por fazer parte.

A estrutura narrativa abdica, em parte, a sucessão factual da história para expor a subjetividade dos personagens, assim moldando a relação um com o outro. Essa exposição é feita por meio de monólogos alternados, de natureza vocal poética. Tal decisão, ainda que traga um molde interessante à apresentação do enredo, prejudica a construção da montagem, que poderia ser mais sofisticada. Por vezes, tal departamento torna-se um dispositivo de representação muito cru e direto do texto. 

Ainda assim, há momentos de maior destaque no encadeamento e associação de planos da metade do filme para o final, em que simbolismos imagéticos somam-se ao caráter poético de modo mais interessante ao comportamento meramente complementar, assumido em um primeiro momento. 

A fotografia se destaca bastante ao usar de imagens e composições que elucidam os sentimentos dos personagens, e a subjetividade de seus monólogos. O uso de câmeras estáticas captura a melancolia, sem neutralizar o movimento das imagens, enquanto momentos de movimento de câmera mais caóticos complementam as tensões dramáticas. A colorização em preto e branco não é apenas estética, mas demonstra coesão com a atmosfera proposta, pensada para a paleta monocromática. 

O som minimalista, ainda que deixe de acrescentar, não prejudica em nada a narrativa. Pelo contrário. Há diversos momentos em que o simples uso de som ambiente se conecta de maneira tão uniforme ao todo, que quase assume um caráter de trilha musical, ainda que o filme não conte com alguma. 

As atuações cujos diálogos são separados da performance entregam a sensação de se estar na cabeça dos personagens, tornando o espectador íntimo de seus pensamentos. Contudo, não há interação direta de diálogo entre os personagens que justifique a construção de sua proximidade. Essa proximidade, ainda que possa ser sugerida por atuações mais implícitas, pode não ser suficiente para estabelecer uma justificativa sólida de relação dos personagens ao espectador. 

Por fim, Rouxinol é um filme que entrega um experimento interessante às convenções da narrativa romântica, sem se intimidar pelo caráter de produção universitária. O curta reforça bem seus melhores aspectos, sem decepcionar nos demais departamentos, e certamente é uma soma bem-vinda ao festival do 7° Toró.

Crítica do curta Mais um Dia, por Bruna Nathalia Moraes Monteiro


O curta-metragem “Mais um dia” apresenta o cotidiano de uma jovem mulher adulta, que está esgotada tanto fisicamente quanto mentalmente, por conta da sua rotina desgastante, onde ela acorda para trabalhar. Ela se sente sem importância e mesmo em momentos onde ela deveria encontrar algum tipo de prazer e descontração, o sentimento de insignificância persiste. Ao decorrer do curta, pude observar a infelicidade da personagem principal através de pequenas ações, como, por exemplo, a sua demora para desligar o despertador ou o suspiro que ela dá ao ver o panfleto, que acabara de entregar, ser jogado no lixo. Esses detalhes engrandecem mais a obra e nos aproxima da protagonista. 

Falando na parte técnica, os realizadores fizeram um bom trabalho, a fotografia foi bem pensada e construída, ela transmite os sentimentos da personagem, os enquadramentos de câmera também contribuem para essa transmissão, mas para mim o som se sobressai. Eles fizeram um ótimo trabalho na escolha das trilhas e dos efeitos sonoros, há momentos no curta onde o som ajuda a nos fazer sentir o estado emocional da personagem, e nos coloca na sua posição. 

Ao meu ver, os produtores do curta tiveram muito cuidado ao produzi-lo para que expressasse suas ideias, sem que ficasse confuso para o espectador, sendo uma ótima recomendação para alguém que busca por mais obras cinematográficas do cinema experimental.

Crítica do curta Midríase, por Sara Ribeiro Lima

 

A primeira pergunta que se faz ao assistir ao experimental “Midríase”, de Eduardo Monteiro (UNESPAR), na realidade, é: o que significa midríase? A resposta é simples, segundo o Google, midríase é a dilatação da pupila, podendo ter causas fisiológicas, patológicas ou terapêuticas. O filme nos remete, em diversos momentos, a isso. Fica evidente depois de se descobrir a resposta. Inclusive, temos imagens da clássica casinha que, aqueles que fazem exame de vista de tempos em tempos, conhecem bem. 

Mas o filme desperta mais do que uma memória sobre exames de vista. Toda a construção quase passa uma ideia de narrativa, nos levando a uma sensação de aprofundamento conforme as imagens se desenrolam. Iniciamos com uma maçã, que se torna uma caixinha em formato de coração que se torna o personagem principal. Acompanhamos mais algumas imagens dotadas de uma direção de arte e fotografia belíssimas, que, através da cores, iluminação e temáticas, remetem a pinturas metafísicas; transitam entre uma explosão de cores em um cenário surrealista a uma escuridão em volta de tudo. 

É possível sentir a evolução dos fatos, apesar de não termos uma narrativa delineada; o filme finaliza com a mesma caixa em formato de coração sendo resgatado. Destaque, aqui, para a montagem; temos um ser humano sendo “plantado” e flores pegando fogo. Temos velas sendo sopradas e uma vela em formato de cama, derretendo. Há um fio que amarra os fatos. É, certamente, artisticamente bonito de se ver e nos captura numa tentativa de entender qual a mensagem, se é que há uma mensagem, ou qual a linha condutora do filme. 

Talvez, como o maior destaque do filme são as imagens, haja um excesso. Com certeza não é pesaroso encarar cenas bonitas durante um tempo, mas mais de sete minutos de momentos às vezes repetitivos talvez pudessem ser reduzidos, a fim de melhorar a experiência toda. Afinal, apesar das cores e cenas bonitas, não há uma grande exploração de ângulos, transições, tampouco um apelo sonoro muito significativo. A trilha sonora, acompanhada de poucos efeitos, apesar de, de certa forma, adequada, não prende e não ganha grande atenção. 

Apesar disso, Midríase provavelmente alcança o que se propõe a fazer: imergir o espectador em seus “quadros”. Suas imagens são com pinturas e suas pinturas contam uma história; uma história que não é clara, deixa margens para diversas interpretações mas, qual pintura não tem essas mesmas características? Certamente a experimentação na fotografia e na arte podem ser aproveitadas, adaptadas e incrementadas de outros cuidados em projetos futuros.

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