sábado, 25 de novembro de 2023

Crítica do curta Mulher Vestida de Sol, por Juliana Sousa da Silva

Com direção, roteiro, produção, arte, som e edição assinados por Patricia Moreira, “Mulher Vestida de Sol” é um curta-metragem de animação 2D de 9 minutos e meio, cuja história nos é apresentada não somente por meio da narrativa animada, mas através de seus cânticos, sua ambientação e seus breves momentos de diálogos que atuam como rezas e poemas ao longo do enredo do filme. O curta nos leva a acompanhar as memórias e experiências da vida de Liah, atuando quase que como um reencontro dela para consigo mesma, em seu interior, de maneira experimental ao nos mostrar essa parte de sua consciência. 

Gosto como o projeto trabalha uma narrativa descontinuada e lírica, como em um sonho, retratando essa busca interior da personagem. Ao longo de todo esse momento dentro do filme, que nos remete a esse aspecto onírico, há também uma demarcação nesse espaço de introspecção, como se a personagem estivesse em um limbo, trazendo por diversos momentos dentro de sua historicidade simbologias específicas como borboletas, ou uma árvore sendo representada como um útero – trabalhando por meio desse signo a ideia de gerar novas vidas. 

Ainda dentro desse aspecto das simbologias, há momentos ao longo da narrativa em que outras mulheres fazem parte de sua história, mas a compreendi como parte do processo da autodescoberta da própria personagem, em diferentes espaços e momentos de suas experiências e vida. Deste modo, o curta nos convida a fazer uma grande reflexão sobre os complexos caminhos do ser e do existir, traçando paralelos entre as vivências dessas mulheres e a sua própria.



Crítica do curta Do Tanto de Telha no Mundo, por Victor Quadros

Saudade é uma palavra que só existe na língua brasileira, ela engloba sentimentos que vão além da falta, além da ausência, da carência. Saudade no Brasil tem gosto, tem cheiro, tem cores, tem sons e poucas coisas deixam mais saudade do que o lugar de onde somos. O curta-metragem cearense “Do tanto de telha no mundo” é o retrato de uma saudade premeditada, que quase todos que buscam crescer longe de casa um dia irão sentir. O filme acompanha Leo, um artista jovem, voltando para Juatama, o interior em que cresceu e onde Cleide, sua mãe, ainda mora. 

“Do tanto de telha no mundo” tem uma natureza muito relacionável, não tanto pela visualidade (isso depende de outros fatores, claro), mas sim pela sensibilidade ao retratar a relação de uma pessoa com o lugar de onde ela veio, mais ainda, a relação com a pessoa que a criou. A história de Leo é comum entre jovens que deixaram o interior em que cresceram, é importante ressaltar que esse movimento para os centros urbanos parte mais da falta de acesso a oportunidades do que de uma vontade genuína da pessoa que deixa sua cidade, daí a saudade tão conflitante de casa. Nessa familiaridade distante, o filme ganha uma potência emocional que é disposta na tela sem muita complexidade. Uma mãe e um filho sentados em uma mesa tomando café, um filho que tem dia e hora para partir, uma mãe, uma cidade, que estarão sempre de braços abertos. 

É muito conflitante esse aspecto ambíguo da saudade, a melancolia de algo que não está aqui e a alegria das memórias boas de algo que já esteve perto. Se torna algo quase incomunicável, penso que essa natureza complexa do que é saudade consegue ser transmitida e comunicada através das imagens mais simples: o retrato de uma pessoa que já partiu, fotos da casa em que cresci, uma música, um cheiro, todas coisas que residem no passado. Leo, ao voltar para sua cidade natal e saber que irá para tão longe dela, experiencia uma saudade do momento presente, dos cômodos de sua casa, das ruas da sua cidade, da sua mãe, é o último momento - pelo menos por bastante tempo - em que ele se sentirá em casa e através de enquadramentos, sons, objetos, interações, nós também somos contaminados com essa saudade “ao vivo”. Nos faz lembrar de nós mesmos, das nossas casas, das nossas famílias, das nossas trocas. 

É comovente ver cinema universitário sendo feito dessa forma, com uma história e discurso que, imagino eu, todo jovem artista brasileiro, principalmente do norte e nordeste, consegue se relacionar. Existe um sentimento forte em “Do tanto de telha no mundo”, e em quase todo filme universitário, de uma coletividade que existe por causa de discursos que a representam, de maneira mais ou menos direta. No caso de “Do tanto de telha do mundo” essa colaboração resulta numa experiência fílmica emocionante, através de suas imagens, repletas de visuais que nos fazem lembrar de casa e através dos seus sons e músicas que permeiam o imaginário. É necessário uma sensibilidade singular para transmitir certas emoções e a pessoalidade intrínseca do filme faz com que tudo se desenrola muito organicamente, com a familiaridade que o filme exige. 

Eu diria que “Do tanto de telha no mundo” é um grito de saudade, mas em vez de nos chocar, impactar, explodir, o filme vai crescendo lentamente dentro do peito, vai nos familiarizando com o espaço, provocando lembranças, quando de repente, sem surpresa alguma, nos vemos tomados por uma saudade. Isso é mérito também da direção singela e potente de Bruno Brasileiro, que me surpreendeu da melhor maneira possível, é sempre bom se relacionar com o que se assiste e se sentir um pouco mais próximo da pessoa que realizou aquilo e esse filme me deu essa oportunidade.

O fim não é o fim. Crítica do curta Apoptosis, por Daniel Clemente

O curta de animação Apoptosis é uma obra de ficção científica que nos faz refletir sobre a fragilidade da vida e a solidão da existência. Com uma ilustração impressionante, que mistura realismo e surrealismo, o curta nos transporta para um cenário de futuro apocalíptico, onde a natureza está morta e a civilização está em ruínas. Acompanhamos a rotina de Deni e Alain, um casal que vive em uma espécie de casa/bunker protegido da contaminação externa de uma doença que está exterminando a humanidade. O ciclo de suas vidas é alterado após a contaminação da parceira de Deni. Elas sabem que não há esperança de salvação, mas ainda assim tenta manter a sanidade e a humanidade a espera do fim.

O pessimismo com o fim do mundo é um pensamento recorrente do ser humano. Inspirado em um poema de 1912 de Thomas Bailey Aldrich, e em tempos pós-Covid, Apoptosis consegue facilmente transportar os espectadores para a diegese do filme. A narrativa é carregada de emoção e poesia, criando um contraste entre a beleza da melodia e a feiura da realidade. O curta também faz uso de simbolismos e metáforas, como a borboleta que representa a vida e a transformação.

O traço das ilustrações presenteia o espectador com belas cenas, porém o ritmo lento da animação deixa os momentos de ambientação um pouco tediosos. Há de se destacar que todo o processo de produção foi realizado unicamente por Brenda Bastos, provando com maestria a sua capacidade em fazer uma animação sem a necessidade de uma grande equipe.

O curta de animação Apoptosis é uma obra que nos emociona e nos faz pensar sobre o valor da vida e o sentido da existência. É uma obra que nos mostra que, mesmo diante do caos e da morte, o poder do tempo reina sobre tudo aquilo que vivenciamos no presente. Apoptosis é um curta que merece ser visto e apreciado por todos os amantes da ficção científica e da animação.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Crítica do curta Zé Onça: Relatos de uma Memória, por Louise Di Fátima

No cenário desafiador da pandemia, muitos criadores e artistas se viram diante de limitações significativas, mas também oportunidades únicas para explorar novas formas de expressão. "Zé Onça: Relatos de uma Memória" (2021) é um exemplo disso, onde o diretor Túlio de Melo cria um curta-metragem que não apenas se adapta às restrições impostas pelo distanciamento social, mas também se aprofunda nas riquezas das histórias familiares. Este filme mergulha nas águas profundas dos rios do Tocantins, acompanhando um dia de trabalho de Zé Onça, pai de Túlio e personagem principal dessa narrativa. 

O filme é registrado nos cenários naturais dos rios da região, oferecendo uma experiência visual deslumbrante, destacando a beleza da natureza dos rios do Tocantins, explorando não apenas a pesca como uma atividade diária mas também proporcionando uma visão única de Zé Onça, através de suas memórias.

Criar uma narrativa significativa a partir de memórias pode parecer uma tarefa fácil, mas a complexidade está em descobrir o que realmente ressoa com o público e como tornar essas histórias envolventes. Com a contribuição da Inteligência Artificial, por exemplo, Túlio de Melo contribui para narrativa com a restauração e animação de fotografias e fotopinturas antigas da família. A utilização da inteligência artificial se torna um meio de criar uma ponte visual entre o passado e o presente, enriquecendo a narrativa. 

Zé Onça, relata que viveu uma parte da sua vida isolado com sua família conhecendo tardiamente as inovações urbanas: como carros, caminhões e aviões. Isso o fez sentir-se como um "índio" diante do desconhecido. Situação que demonstra como foi construída sua infância em Goiás. Se revelando uma realidade dolorosa: apesar da abundância de irmãos, a solidão permeia a vida de Zé Onça. Seu pai, que se casou e uniu-se muitas vezes, não manteve relações próximas com todos esses irmãos. Seu apelido foi dado por uma situação complicada na infância, onde sem querer acabou machucando um amigo e sendo chamado de "amigo da onça" por sua professora na época que disse para esse amigo se afastar dele, por conta do ocorrido. Seu apelido permaneceu até os dias atuais, porém isso tudo, se reflete em um cenário de desconexão e ausência que refletem suas atividades como um pescador solitário. 

"Zé Onça: Relatos de uma Memória" é mais do que um simples registro da vida de um pescador. É uma jornada poética que transcende o tempo e o espaço, capturando a essência da vida de Zé Onça e as lições preciosas que ela oferece. É uma obra que ressoa com a busca pela conexão em tempos conturbados, como o isolamento social trazido pela pandemia. Túlio de Melo entrega ao público uma experiência que transcende a tela e convida a reflexões sobre a importância das histórias que carregamos e a criatividade que pode surgir mesmo nas circunstâncias mais difíceis.

Sobre ancestralidade, tradição e fé. Crítica do curta Erva que Cura, Erva que Benze, por Vinícius Caeté Ramos

O curta documental produzido por discentes da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, com a direção de Caroline França, traz o aspecto dos saberes tradicionais para a tela, como o próprio nome da obra deixa explícito. O curta documental aborda os saberes ligados às ervas medicinais e sagradas que dentro da cultura popular, principalmente no interior do país, têm uma importante papel no que podemos chamar de medicina tradicional brasileira. Um aspecto muito importante do filme é o protagonismo de pessoas negras, principalmente mulheres. 

Analisando o filme a partir de um critério técnico, acredito que cumpra muito bem a sua proposta. A obra inicia buscando mostrar aspectos ligados à natureza, como as plantas e as águas, mas posteriormente trazendo o ambiente bucólico com elementos do dia a dia de uma vida simples no interior, tudo isso com uma reza cantada como fundo sonoro, que combina muito bem com as imagens, o que conduz o espectador a uma sensação de leveza e calmaria. A ideia de direção mistura planos de entrevista com planos mais contemplativos do espaço ou das próprias rezas, optando por uma construção sonora mais crua, o que traz a produção uma mistura de trilha e som direto. 

Apesar da direção optar por um estilo mais canônico dentro da estética documental, que é o documentário com entrevistas, “Erva que cura, Erva que benze” conta com uma montagem que leva a obra para um local mais de um filme poético e intimista, como se o filme fosse feito da mesma maneira que se constrói uma música, progredindo cenas como as notas musicais se perpassam em uma progressão harmônica. Pessoalmente fazendo com que além de ver o filme, pudesse senti-lo, da mesma forma que uma canção se sente além de uma mera escuta. 

Entretanto, o espirito da obra está em colocar as vozes e corpos negros como elementos de importância e como figuras de respeito, principalmente essas figuras sendo mulheres. Vozes que estiveram por muito tempo longe das telas, saberes que se passam de boca a boca, de geração em geração e agora estão ganhando as projeções, percorrendo lugares, adentrando os festivais e tocando pessoas que apesar das diferenças, conseguem sentir o peso e a beleza dessa cultura tão rica.  E como diria o cantor Chico César, quando o preto fala o branco cala ou deixa a sala com veludo nos tamancos, e me dando a oportunidade de mais uma vez parafraseá-lo, esses saberes vem da África, assim como meus santos. 

Outro elemento que me faz pensar na obra é o choque geracional, de como as novas gerações estão se afastando de suas raízes e como a tecnologia e globalização têm atuado para isso, visto até na fala de uma das entrevistadas que diz que está cada vez mais difícil encontrar pessoas que tenham o domínio dos saberes ancestrais, o que traz o pensamento de que estamos cada vez menos vivendo em comunidade. Vale questionar como o modo de vida capitalista está cada vez mais transformando a vida em um conjunto de individualidades voltadas a conquistas pessoais e deixando de lado o corpo coletivo, mesmo muitas vezes não partindo de uma escolha individual, mas de um direcionamento sistemático da sociedade que estamos inseridos. Voltamos para mais uma fala presente no filme para ilustrar esse pensamento, que diz que a reza não pode ser cobrada, porque o que vem de Deus não pode ter preço, e mais uma vez me questiono, dentro desse sistema existe ainda espaço para o que não tem preço? E como isso afeta na percepção dessas novas gerações tão inseridas nessa lógica, apesar de que, a luta para manter esses saberes vivos sempre foi árdua, e consequentemente continuará sendo. 

Por fim, não gostaria de dizer se a obra é boa ou ruim, pois acredito que o cinema se descreve em variáveis muito mais complexas que essa simples dualidade, gostaria de dizer que a obra é necessária, precisamos registrar os nossos saberes, o rosto das nossas pessoas, a alegria e a fé que existe dentro de todos nós, trabalhadores brasileiros, e de como nos podemos contar nossas próprias histórias, de uma maneira única, bonita e nossa.

Crítica do curta Histórias que nos contam, por Luane Garcia Pimenta

 


Um relato sobre a saudade, sobre a lembrança e o quanto o amor de uma avó pode perdurar dentro de nós, mesmo após a partida da mesma. 

O documentário, dirigido pelo jovem baiano Luan Santos, toca em um ponto sensível para aqueles que conviveram com suas avós, que as amaram, com toda a profundidade que crianças podem amar, e que agora, no presente, arranjam maneiras de conviver com a falta que suas partidas fazem, não importando o tempo que já tenha se passado. 

No relato, narrado pelo próprio cineasta, conhecemos o que ainda há dentro de si, sobre sua avó Lurdes. Inicialmente temos conhecimento sobre o porque que a senhora Lurdes não se encontra mais presente, e logo após, descobrimos por meio de seu neto, pedaços de quem essa senhora era, por meio de detalhes presentes em lembranças tanto mentais, quanto físicas, que se dão por meio das fotos que nos são apresentadas, enquanto Santos narra. 

Em um determinado ponto, Santos revela sobre o gosto que sua avó tinha pelos momentos em que alguém tirava uma foto sua, e agora empenhando-se para   para ser um cineasta, pergunta se avó apreciaria seus projetos audiovisuais, e isso, creio possa tocar em alguma medida, outros realizadores da mesma área, que também perderam alguém que gostariam muito que pudesse ainda estar presente para apreciar seus filmes. Quantos de nós, não produzimos filmes, para tentar de alguma forma falar com alguém que já partiu. Nem que seja para dizer adeus. 

E é através das mesmas fotos, que se compreende que Santos não é o único membro de sua família que sente a ausência da matriarca, e então, temos conhecimento dos outros membros da família, que também partilham da mesma saudade. 

Em relação aos aspectos técnicos, a edição, realizada pelo próprio diretor, é o mecanismo que proporciona a sensação de proximidade com quem assiste sua obra. A maneira como as fotografias são exibidas, aos pedaços, para logo após formarem um todo, contribuem para o sentido da narrativa que acompanhamos, por meio da narração em voz-off. 

A união de tudo isso colabora para o surgimento de um interesse em continuar a conhecer mais, e mergulhar  por mais tempo na história íntima de uma mulher, de uma mãe, irmã e avó que foi e ainda é amada e lembrada, tanto que está eternizada num filme, o que pode ser considerado um meio de dizer que aqueles que se vão, ainda permanecem dentro de nós, às vezes, como imagens em movimento.



Crítica de Amélia em Transe, por Maísa Santos

Amélia em transe (2021), dirigido por B.N.L e por Thaís Melo, é um filme de ficção em que o espectador acompanha o Making Off de um set de filmagens, e as relações caóticas entre as personagens envolvidas na trama. A narrativa é intercalada entre as cenas que mostram as dificuldades que a equipe enfrenta na gravação do plano final de um filme de ficção, que ocorre dentro do próprio filme, e entre as entrevistas cedidas ao Making off, com as personagens do Diretor, da Produtora, da Atriz, do Operador de câmera e do Estagiário. É um filme envolvente que narra de maneira divertida os conflitos nessa produção, e se utiliza da metalinguagem para a criação dessa atmosfera de “filme dentro de um filme” e ainda para revelar um impressionante plot Twist no final. 

O curta traz para as telas um teor de comédia para situações de backstage de uma produção audiovisual, de uma maneira bastante engraçada e cativante. Em seu início é apresentada a narrativa de que é um filme de ficção habitual, mas logo se revela ser o “ por trás das câmeras” de um set de filmagens, indicando para o telespectador a “narrativa em abismos” escolhida como recurso essencial para o filme. Amélia em transe nos remete muito à estética de Making off de filmes produzidos nos anos 2000, e entrega nostalgia e identificação para o público que está inserido no âmbito audiovisual, sejam as pessoas que trabalham na área, sejam as pessoas amantes de audiovisual e cinema. 

A direção do filme trabalha as relações entre as personagens, os diálogos, os conflitos e as piadas com um timing excelente entre as cenas de ações em que ocorrem esses conflitos, e as cenas de entrevistas das personagens desabafando sobre esses conflitos, entregando toda a atmosfera cômica que a direção se propôs a executar. E os setores criativos de arte, de som e de fotografia conversam muito bem entre si, e com as ideias que o diretor propõe para a narrativa, e desempenham os cenários, os figurinos, as planificações e o som de qualidade adequada ao projeto, de um modo notável. 

Amélia em transe encerra seu arco diegético de uma maneira surpreendente, quando a narrativa em abismos revela mais uma camada e o espectador pode contemplar que toda a história é, na verdade, ‘um filme dentro de um filme dentro de um filme’. O que primeiro parecia ser um filme de ficção, e que se revelara ser um set de cinema e gravação de Making off, é, na verdade, um outro filme de ficção sobre um Making off e uma gravação conflituosa de um filme. A virada de plot, realizada nos minutos finais do filme, ocorre de uma maneira excepcional e que leva a revelação a um bom desfrute do filme todo.

Crítica do curta Casa dos Espelhos, por Igor Bilby

O filme Casa dos Espelhos, do diretor Paulo Carter, do Porto Iracema das Artes, em Fortaleza, Ceará, conta a história de uma estudante com um transtorno dissociativo de identidade, como ela lida com isso pelo fato de ter ido a uma festa que ela própria disse que não iria. No dia posterior, ela nem se lembra de ter ido ou de ter causado na mesma, sendo lembrada por um amigo. 

O curta-metragem de 15 minutos mostra um protagonista provavelmente de uma escola de teatro, essa personagem traz uma questão da relação de amizades dentro das escolas/faculdades com o Transtorno dissociativo de identidade, o TDI, sendo o tema principal da obra. No filme, isso se mostra de diversas formas, como por exemplo a parte na qual ela conversa com ela mesma, no caso, outra personalidade e logo em seguida mostra ela sozinha naquele ambiente. Em outro momento, vemos um diálogo que explicitamente é externo, como se fosse um desabafo, mas na realidade ele é interno, onde só se percebe que são duas pessoas conversando dentro de um corpo só quando uma das personalidades se dá um beliscão. E, como último exemplo, a última troca de figurino da personagem intercala cenas perfeitamente montadas com as personalidades da única personagem, uma mais tímida, uma mais realista, uma mais segura de si e, por fim, a mais caótica, afrontosa. É essa então que de decide causar indo aquela festa. 

A montagem do filme segue uma linha interessante, pois ela se intercala no dia 0 e no dia 1, que é o dia posterior à festa, e todas suas consequências. E isso se mostra em um ritmo que leva o espectador para pequenos momentos do antes, depois e também durante o acontecimento. Há apenas um momento confuso nessa linha do tempo, que é uma das personagens dentro da personagem principal indo tirar satisfação do pessoal da escola, mas isso não apaga o brilho de todo o filme e sua forma de montagem, roteiro, fotografia e direção impecável. 

A obra é bem importante para o cenário universitário audiovisual porque traz algo que uma grande parcela dos jovens vive, no caso festas e relações intensas de amizades, seja na universidade, seja fora da universidade, algo que realmente é bem universal dentro desse contexto.



Crítica do curta Baseado em fatos, por Igor Bilby

 

O Filme “Baseado em Fatos”, da Diretora e Roteirista Amanda Rezer, da Universidade Federal de Pelotas, situada no Rio Grande do Sul, conta como Mari enfrenta uma abstinência fora do comum. Mari conta um pouco de como conheceu seus amigos e como conheceu Pedro seu namorado e agora com quem divide o aluguel e conhece todos eles da mesma forma, fumando maconha. Em algum momento, Mari se vê fumando demais, acumulando tarefas normais de casa, esquecendo coisas, deixando essas tarefas importantes passarem, chegando em um ponto que os dois discutem e Mari resolve parar de fumar, lhe causando uma abstinência bem significativa dentro da visão dela. 

O curta levanta uma questão que jovens usam deliberadamente drogas ilícitas, até serem satirizados, por um momento, enquanto eles assistem TV na sala. E também o filme mostra uma forma de resolução bem inteligente desse problema enfrentado pela Mari, quando um “santo”, uma entidade da cabeça protagonista que representa a personificação da maconha, que é um ponto bem positivo do filme, pois traz algumas referências mas não esteriótipos, e ele se projeta para ela, dizendo, basicamente, que algumas frases referenciadas da física e uma explicação e relação de prudência, responsabilidade, fardo e a vida de forma bem simples, tranquila e emocionante. 

Ir com a mente aberta para o assistir o filme é primordial. Inicialmente, é difícil alguém relacionar do que se trata o filme, mas quando as situações vão acontecendo o filme mostra isso de uma forma tranquila. Partindo, então, para a verdadeira problemática, o  excesso de baseado, e então se entende o título do filme. Mari se vê bem perdida em seus afazeres e toma sua decisão sem pestanejar, trazendo toda aquela abstinência para então levar as soluções e sua grande lição, deixando o filme leve como a vida, leve como as verdadeiras amizades que compartilhamos as melhores brisas. 

Acredito que o curta-metragem conversa bastante com os jovens, até além do campo universitário, fazendo que o público-alvo fique mais amplo na sua proposta. O curta conversa bem com os jovens e traz tranquilidade nas piadas, mas poderia tentar trazer todo esse contexto do jovem para os mais adultos, que também já passaram por essas fases, todos esses momentos, com ou sem drogas. 



Crítica do curta-metragem Nó Cego, por Geraldo Tavares

O curta-metragem “Nó Cego” mostra a noite de aniversário de Davi nos preparativos para sua festa. Ele está em uma discussão no telefone, quando um menino toca sua campainha, o menino está com os cadarços amarrados com um nó. Ele entra na casa e, assim, o curta começa a tratar seu principal tema: a aceitação de pessoas LGBTQIA+ pela família. O uso de metáforas e alegorias são excepcionais no roteiro do curta-metragem, a ideia de tratar o dilema do personagem como um nó, que pode ou não ser desmanchado, pois a obra gira em torno dessa relação do cadarço com o nó e dos dilemas que Davi precisa resolver aquela noite. A ideia da fantasia que os personagens citam também é interessante à análise de que pessoas LGBTQIA+ não conseguem mostrar quem realmente são. O medo de não serem aceitas é muito bem trabalhado dentro diálogo, que apesar de toda a leveza, ainda assim tem um impacto que leva o espectador a uma reflexão sobre o assunto ou até uma identificação com o conflito do personagem. 

O plot twist era algo meio que já esperado, a descoberta de que o menino é seu "eu" do passado que vem para fazer ele se questionar sobre como a vida dele está no presente. Mas, ainda assim, tem seu mérito, muito por conta da escolha da transição que é usada de uma cena para a outra. 

É interessante destacar também a fotografia do filme, na qual o uso de planos mais fechados busca trazer uma ideia de intimidade na relação e diálogos dos personagens. No final do curta, descobrimos a relação real dos personagens, então é muito boa essa construção que a fotografia traz ao curta. 

A direção de arte também tem seu destaque no curta, principalmente quando nos mostra detalhes que não são falados do personagem, e principalmente na revelação do plot twist, a construção do quarto, que apesar de trazer uma construção mais minimalista, eleva emoção que o plot twist merecia. 

Nó Cego é um curta metragem que me surpreendeu bastante, e destaco o quão boa foi a experiência de assistir à obra, pois ela traz camadas muito interessantes que com certeza irá levar o espectador a reflexões sobre os assuntos que a obra trata.



quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Crítica do curta O Sonho Continua, por Isabela Gomes

O curta documental O Sonho Continua, dirigido por Paulo José, rodado em Vitória da Conquista, conta de forma concisa a história de Edmundo Lacerda Campos, um homem de 70 anos que remonta sua infância humilde no interior de uma pequena cidade de fronteira e sua mudança para Vitória da Conquista. Assim, narra o início de seu sonho com o mundo do cinema, relatando sobre suas invenções, juventude inventando histórias, e aspiração com a 7° arte. Até o momento da realização de ver sua média-metragem O Sonho de Zezinho saindo do campo das ideias, e posteriormente, sua entrada no curso de Cinema na UESB. 

Este breve documentário trata não somente sobre a questão da realização de sonhos e da resiliência para conquistá-los, bem como mostra também acerca de  quando os sonhos parecem nos  "rodear", ou seja, estão sempre ali com os seus sonhadores.  Levantando a questão de que devemos viver nossos sonhos independente do tempo que isso irá levar e as adversidades que a vida nos coloca. Portanto, diante de tantos obstáculos decorrentes da vida, por fim vemos que são justamente eles os "instrumentos" que irão nos fazer alcançar nossos objetivos e continuar sonhando. 

O filme sabe misturar relato e dramatização, utilizando até mesmo  algumas cenas do filme  do próprio Edmundo Lacerda, destacando de maneira sucinta todas as partes de maior importância durante as fases de vida do entrevistado para o público. Por seu formato simples e intimista, o documentário não demonstra contradições ou furos de roteiro, pois segue o formato de entrevista, no qual Edmundo Lacerda fala como se fosse uma simples conversa, detalhando sua vida pessoal, até mesmo levando exemplos de como utilizava objetos simples para recriar e imaginar sua vida como em um filme. Ao final, também vemos adicionadas informações acerca da caminhada de Edmundo até recentemente, evidenciando que os sonhos não acabam quando eles se realizam. 

Embora apresente relatos e dramatizações (cenas de A Vida de Zezinho) para ressaltar a caminhada pessoal de Edmundo Lacerda, a maior parte do documentário acaba sendo apenas o relato do entrevistado, o que pode ser um pouco cansativo para alguns espectadores, porém nada que exacerbado. E no final, apesar de poder ter sido uma escolha mais realista do realizador, o áudio "estourado" da gravação da entrega do prêmio, pode acabar destoando um pouco do restante do curta. 

O Sonho Continua é um bom exemplo do formato documentário observatório e biográfico, pois além de chamar a atenção para os fatos sem interferências de terceiros, também nos permite ver um pouco da infância do entrevistado através de seu próprio trabalho. Diante à câmera, o entrevistado Edmundo Lacerda tem um espaço livre para que narre trechos de sua vida sob seu olhar, demonstrando partes de suas vivências, como a de sua câmera improvisada para brincar na infância. 

Por fim, o público pode sair com o sentimento de motivação e esperança de que os sonhos podem sim serem realizados, não importando idade ou o tempo que poderá levar. Assim como muitas vezes são os nossos sonhos que nos perseguem, e devemos ouvi-los e dar a chance de vivê-los sem medo e preconceitos.

Um informativo sobre a necessidade da preservação e manutenção do audiovisual brasileiro. Crítica do curta Material Inflamável, por Ícaro Santos

O curta-metragem documental Material Inflamável parte da premissa de explicar como a falta de fomento no que tange a preservação pode fazer com que o acervo audiovisual do país seja facilmente perdido e até mesmo cair no esquecimento. Em doze minutos, os diretores intercalam  imagens de arquivos de famosos filmes nacionais, reportagens sobre o incêndio de 2021 na Cinemateca Brasileira e entrevistas com personalidades do audiovisual. 

No filme, que parece muito mais uma reportagem para televisão, temos a dimensão da falta de fomento e cuidado por parte do governo com nosso rico e diverso audiovisual. Os cineastas buscam explicar logo no início o porquê do nome do filme e o curioso é que quando se pesquisa esse nome na internet é comum aparecerem notícias sobre o trágico incêndio em um dos galpões da instituição. É sempre bom lembrar que este é o quinto episódio em que o fogo queima a história videográfica do país dentro da cinemateca. 

O filme, por vezes, fala sobre como o cinema e o audiovisual guardados nos prédios da cinemateca são quase sempre vistos e amados por uma pequena parcela da população, e não é como se o restante das pessoas não se importasse de fato, mas o acesso de muitos é quase sempre limitado devido à diferenças sociais e até mesmo políticas. Hoje nós temos poucas salas de cinema que estão dispostas a exibirem filmes brasileiros de fato, ou seja, grande parte da população nem entende a função de uma instituição como essa, porque essa instituição parece não ter sido feita para todas as pessoas. Esse ponto é muito tocado na fala de Gabriel Martins, diretor do filme Noites Alienígenas. 

A montagem do filme é um pouco cortada demais e por vezes confusa e o áudio das entrevistas parece pouco trabalhado. A direção é extremamente jornalística, muito provavelmente fruto da formação de ambos os diretores. É um filme que passa rápido, mas que pode muito bem ser escutado no formato de podcast, já que as imagens, usadas aqui numa função de preenchimento, não se fazem tão necessárias quando comparadas aos áudios presentes nos doze minutos corridos. 

O ponto chave do projeto é a informação e ao se propor isso, os realizadores cumprem com a função social de informar e questionar fatos necessários e atuais acerca do passado, presente e futuro do cinema e do audiovisual no Brasil.

Crítica do curta Marius Bell em Cartaz, por Thiago Henrique Ferreira

"Marius Bell em Cartaz", documentário de George Augusto, narra a trajetória de um artista despercebido das décadas de setenta, oitenta e noventa. Marius Bell era responsável pela arte dos cartazes que chamavam atenção nas frentes dos cinemas do centro histórico de Manaus. Tais obras, vistas por todos, mas não atreladas aos seus autores, ganham espaço e reconhecimento no filme. 

O projeto aborda o tema de forma direta, concisa, e se utiliza de técnicas convencionais da linguagem documental. A narrativa é guiada pelo próprio Marius Bell, contando sua trajetória, conquistas e dificuldades, trazendo carga simbólica e emocional à obra, também a deixando única, por conta da riqueza de detalhes e contexto. 

A escolha de mostrar os cartazes em tela enquanto o artista narra sua história foi assertiva, expositiva e funciona perfeitamente com as outras escolhas tomadas pelo diretor. Outra boa opção foi mostrar o processo de confecção desses cartazes, a forma como eram feitos pelo artista em seu tempo de atuação, isso instiga o espectador com as técnicas e o processo de tais artes. 

Em suma, Marius Bell em Cartaz é um relato saudosista e simbólico sobre a criação de cartazes para o cinema, uma arte quase oculta sendo mostrada em tela, onde cada pincelada transmite a essência de uma história, sendo que cada detalhe é uma expressão de carinho pelo cinema, não se tratando apenas de cartazes, mas portas para novos mundos e experiências.

Crítica do curta Cida Tem Duas Sílabas, por Laura Silva do Amaral

O filme “Cida Tem Duas Sílabas", da diretora e roteirista Giovanna Castellari, da FAAP em SP, traz para nós uma realidade comum entre mulheres de baixa renda, analfabetas e que sustentam seus lares. O filme mergulha na vida desafiadora de Cida, que cria sua neta e provê sustento para seu lar, que enfrenta também exploração no ambiente de trabalho, tratando de uma realidade vivida por várias mulheres no Brasil. O filme oferece uma narrativa envolvente que destaca as lutas enfrentadas por trabalhadoras em situações precárias. Cida, uma costureira analfabeta que, para sustentar sua casa, se vê presa em um contrato injusto que a explora. O enredo se desenrola quando ela inadvertidamente assina um acordo que a obriga a horas extras não remuneradas, comprometendo sua capacidade de cuidar de sua neta e, por extensão, de equilibrar suas responsabilidades familiares. 

O roteiro habilmente expõe as injustiças no local de trabalho, destacando as dificuldades que trabalhadoras como Cida enfrenta. Traz o fato de que muitas vezes essas mulheres que estão a frente na família acabam fazendo grandes esforços para prover uma casa e alimento para as pessoas que dependem dela. Muitas vezes a falta de estudo, como acontece com Cida, se torna o maior motivo para que os donos das empresas se aproveitem dessa mão de obra barata, mas o filme também nos traz o fato de que muitas vezes essas mulheres querem ter conhecimento, querem seus direito e querem no mínimo saber escrever seu nome. A trama, ao trazer o tema de exploração no trabalho e ao mesmo tempo uma resistência, oferece uma crítica social poderosa. 

"Cida Tem Duas Sílabas" é uma obra envolvente que toca profundamente questões sociais relevantes. A representação autêntica das lutas cotidianas de Cida e sua jornada para superar adversidades ressoam de maneira universal. A direção sensível e o cuidado que tiveram ajudam a transmitir a atmosfera tensa e muitas vezes opressiva do ambiente de trabalho de Cida. As cenas revelam os contrastes entre sua vida profissional e pessoal, proporcionando uma experiência visual impactante. 

A trama também destaca a importância do apoio comunitário na forma da professora da neta, quando ela acaba sendo de grande ajuda, tanto para que Cida continue seu trabalho e sua neta estudando, quanto o fato dela ser a pessoa que ajuda Cida a entender que está sendo explorada no trabalho, adicionando camadas de esperança à narrativa. É mais impactante quando percebemos que o apoio vem de de uma outra mulher e que, na sociedade, é preciso ter esse apoio entre as mulheres. 

O fim do filme é tão importante, mostrando a força que Cida tem em enfrentar o seu chefe mesmo perdendo o emprego, porém não sendo a realidade da maioria, que é representado pelas colegas de trabalho dela. Na realidade, muitas vezes elas precisam continuar caladas e sendo exploradas pelo fato de precisarem do dinheiro, mesmo que seja um quantia inferior do que deveriam receber. 

Em conclusão, "Cida Tem Duas Sílabas" não apenas conta uma história cativante, mas também lança luz sobre questões sociais importantes. Sua abordagem equilibrada entre a crítica social e a narrativa pessoal contribui para um filme impactante e memorável. Recomendo vivamente para aqueles que apreciam filmes que provocam reflexão e oferecem uma visão mais profunda das complexidades da vida moderna.

Crítica do curta Frutinha, por Danilo Carvalho Ribeiro

Direção de arte e fotografia são dois dos elementos fundamentais na construção de um filme, então é ótimo ver que Frutinha se destaca nesses aspectos. Frutinha aborda um tema delicado e importante, explorando a jornada de um menino gay ainda na infância, lidando com a descoberta da sua sexualidade enquanto aprende a enfrentar o bullying vivido na escola. A história se propõe a oferecer uma reflexão sensível sobre questões de identidade e aceitação, e assim o faz, explorando a relação que se desenvolve entre o protagonista e seu amigo, que se mostra um elemento central da trama. 

Uma das características notáveis deste filme, além de uma direção de arte rica em detalhes que dão ainda mais profundidade para a personalidade e contexto dos personagens, é a fotografia de cores saturadas que cria uma atmosfera cativante, adicionando intensidade às cenas e atraindo a atenção de um público alvo infanto-juvenil. Toda a direção de arte usada aqui, desenhos, decorações, figurinos e adereços, desempenham um papel fundamental na construção do mundo imaginativo e emocional do filme. Os elementos visuais foram escolhidos cuidadosamente para apoiar a narrativa e ambientação da história. 

As atuações do filme são convincentes, e sua qualidade transmite emoção e profundidade para os personagens. Isso indica uma excelente direção de elenco, que pode ser muito trabalhosa em filmes cujo elenco é infantil. O roteiro, apesar de simples, é muito bem executado, os momentos de tensão emocional são respeitados e retratados de uma maneira compatível com um público-alvo livre. 

Em suma, é encorajador ver filmes que abordam temas sensíveis de forma coesa e empática, ajudando a aumentar a conscientização e a compreensão sobre as experiências de pessoas LGBTQIA+, especialmente numa fase da vida tão decisiva como a infância. O filme se mostra de grande importância para a aceitação vinda dos pais e responsáveis e para o reconhecimento e acolhimento daqueles que ainda estão se descobrindo, além de estabelecer um diálogo que convida a refletir sobre o combate ao bullying nas escolas. Frutinha é um filme bonito, simples e sensível, acertando no que se propõe a ser.

Crítica do curta Mecanismo, por Bruna Nathalia Moraes Monteiro

O curta-metragem “Mecanismo” surpreende com sua temática complexa, um enredo coeso e com a forma que os realizadores escolheram para produzi-la, por conta disso, é uma ótima recomendação, para alguém que nunca tenha assistido alguma obra cinematográfica do cinema experimental. Ao vê-lo, o espectador passa a ter uma compreensão melhor dessa vertente do cinema. 

A obra mostra uma sociedade que está à beira de uma revolta populacional, devido a falta de empregos, pois os trabalhadores estão sendo substituídos por máquinas, o que gera uma crise de fome na população mais pobre. O curta se utiliza de imagens e cenas de outros curtas para nos mostrar sua história, assim uma temática que seria difícil de sair do papel em nosso país, devido ao alto custo de produção, se torna realidade. Falando dos quesitos técnicos, o curta é quase que inteiramente em preto e branco, tirando alguns detalhes que aparecem na cor vermelha. Essa escolha dos realizadores foi muito assertiva, pois pude sentir através da fotografia o sofrimento e a revolta daquela população que está desamparada. As montagens feitas nas imagens foram bem produzidas, pode-se notar o cuidado que tiveram para fazê-las, para que não prejudicasse a imersão do espectador. O som é algo que tem que ser exaltado, o trabalho na escolha das trilhas e dos efeitos sonoros. Nenhum som se sobre sai ao outro e temos uma boa harmonia entre eles. 

Por conta disso, ressalto minha fala no início do curta “Mecanismo” ser uma excelente obra para quem nunca tenha visto algum filme de cinema experimental, pois o espectador pode ter sua primeira experiência sem que se sinta confuso ou enfastiado, e ao final curta, conseguindo  compreender o tema que foi apresentado.

Crítica do curta Rouxinol, por Ângelo Souza

Rouxinol, segundo curta-metragem produzido pela Matilha Filmes e dirigido por Diego Maia, apresenta um romance experimental sob a perspectiva distorcida de seus personagens. Na trama, um homem e uma mulher vivem uma realidade monocromática, alternando entre cenários insípidos, góticos, melancólicos e solitários. Cercados por esse mundo, tornam-se reflexo dele ao enxergar beleza em sua podridão, admitindo a contradição como parte de um ciclo natural, ao qual anseiam por fazer parte.

A estrutura narrativa abdica, em parte, a sucessão factual da história para expor a subjetividade dos personagens, assim moldando a relação um com o outro. Essa exposição é feita por meio de monólogos alternados, de natureza vocal poética. Tal decisão, ainda que traga um molde interessante à apresentação do enredo, prejudica a construção da montagem, que poderia ser mais sofisticada. Por vezes, tal departamento torna-se um dispositivo de representação muito cru e direto do texto. 

Ainda assim, há momentos de maior destaque no encadeamento e associação de planos da metade do filme para o final, em que simbolismos imagéticos somam-se ao caráter poético de modo mais interessante ao comportamento meramente complementar, assumido em um primeiro momento. 

A fotografia se destaca bastante ao usar de imagens e composições que elucidam os sentimentos dos personagens, e a subjetividade de seus monólogos. O uso de câmeras estáticas captura a melancolia, sem neutralizar o movimento das imagens, enquanto momentos de movimento de câmera mais caóticos complementam as tensões dramáticas. A colorização em preto e branco não é apenas estética, mas demonstra coesão com a atmosfera proposta, pensada para a paleta monocromática. 

O som minimalista, ainda que deixe de acrescentar, não prejudica em nada a narrativa. Pelo contrário. Há diversos momentos em que o simples uso de som ambiente se conecta de maneira tão uniforme ao todo, que quase assume um caráter de trilha musical, ainda que o filme não conte com alguma. 

As atuações cujos diálogos são separados da performance entregam a sensação de se estar na cabeça dos personagens, tornando o espectador íntimo de seus pensamentos. Contudo, não há interação direta de diálogo entre os personagens que justifique a construção de sua proximidade. Essa proximidade, ainda que possa ser sugerida por atuações mais implícitas, pode não ser suficiente para estabelecer uma justificativa sólida de relação dos personagens ao espectador. 

Por fim, Rouxinol é um filme que entrega um experimento interessante às convenções da narrativa romântica, sem se intimidar pelo caráter de produção universitária. O curta reforça bem seus melhores aspectos, sem decepcionar nos demais departamentos, e certamente é uma soma bem-vinda ao festival do 7° Toró.

Crítica do curta Mais um Dia, por Bruna Nathalia Moraes Monteiro


O curta-metragem “Mais um dia” apresenta o cotidiano de uma jovem mulher adulta, que está esgotada tanto fisicamente quanto mentalmente, por conta da sua rotina desgastante, onde ela acorda para trabalhar. Ela se sente sem importância e mesmo em momentos onde ela deveria encontrar algum tipo de prazer e descontração, o sentimento de insignificância persiste. Ao decorrer do curta, pude observar a infelicidade da personagem principal através de pequenas ações, como, por exemplo, a sua demora para desligar o despertador ou o suspiro que ela dá ao ver o panfleto, que acabara de entregar, ser jogado no lixo. Esses detalhes engrandecem mais a obra e nos aproxima da protagonista. 

Falando na parte técnica, os realizadores fizeram um bom trabalho, a fotografia foi bem pensada e construída, ela transmite os sentimentos da personagem, os enquadramentos de câmera também contribuem para essa transmissão, mas para mim o som se sobressai. Eles fizeram um ótimo trabalho na escolha das trilhas e dos efeitos sonoros, há momentos no curta onde o som ajuda a nos fazer sentir o estado emocional da personagem, e nos coloca na sua posição. 

Ao meu ver, os produtores do curta tiveram muito cuidado ao produzi-lo para que expressasse suas ideias, sem que ficasse confuso para o espectador, sendo uma ótima recomendação para alguém que busca por mais obras cinematográficas do cinema experimental.

Crítica do curta Midríase, por Sara Ribeiro Lima

 

A primeira pergunta que se faz ao assistir ao experimental “Midríase”, de Eduardo Monteiro (UNESPAR), na realidade, é: o que significa midríase? A resposta é simples, segundo o Google, midríase é a dilatação da pupila, podendo ter causas fisiológicas, patológicas ou terapêuticas. O filme nos remete, em diversos momentos, a isso. Fica evidente depois de se descobrir a resposta. Inclusive, temos imagens da clássica casinha que, aqueles que fazem exame de vista de tempos em tempos, conhecem bem. 

Mas o filme desperta mais do que uma memória sobre exames de vista. Toda a construção quase passa uma ideia de narrativa, nos levando a uma sensação de aprofundamento conforme as imagens se desenrolam. Iniciamos com uma maçã, que se torna uma caixinha em formato de coração que se torna o personagem principal. Acompanhamos mais algumas imagens dotadas de uma direção de arte e fotografia belíssimas, que, através da cores, iluminação e temáticas, remetem a pinturas metafísicas; transitam entre uma explosão de cores em um cenário surrealista a uma escuridão em volta de tudo. 

É possível sentir a evolução dos fatos, apesar de não termos uma narrativa delineada; o filme finaliza com a mesma caixa em formato de coração sendo resgatado. Destaque, aqui, para a montagem; temos um ser humano sendo “plantado” e flores pegando fogo. Temos velas sendo sopradas e uma vela em formato de cama, derretendo. Há um fio que amarra os fatos. É, certamente, artisticamente bonito de se ver e nos captura numa tentativa de entender qual a mensagem, se é que há uma mensagem, ou qual a linha condutora do filme. 

Talvez, como o maior destaque do filme são as imagens, haja um excesso. Com certeza não é pesaroso encarar cenas bonitas durante um tempo, mas mais de sete minutos de momentos às vezes repetitivos talvez pudessem ser reduzidos, a fim de melhorar a experiência toda. Afinal, apesar das cores e cenas bonitas, não há uma grande exploração de ângulos, transições, tampouco um apelo sonoro muito significativo. A trilha sonora, acompanhada de poucos efeitos, apesar de, de certa forma, adequada, não prende e não ganha grande atenção. 

Apesar disso, Midríase provavelmente alcança o que se propõe a fazer: imergir o espectador em seus “quadros”. Suas imagens são com pinturas e suas pinturas contam uma história; uma história que não é clara, deixa margens para diversas interpretações mas, qual pintura não tem essas mesmas características? Certamente a experimentação na fotografia e na arte podem ser aproveitadas, adaptadas e incrementadas de outros cuidados em projetos futuros.

Crítica do curta Flor do Mal, por Adso Sabado

É preciso coragem para o cineasta se arriscar em colocar o nome em uma produção com estética e técnicas tão exóticas e diferentes das já sacramentadas e denominadas como “normais”. É, deveras, empolgante ver como o curta como “A Flor do Mal” foge do habitual na, talvez, mais famigerada das camadas de uma produção cinematográfica, o sequenciamento da imagem. 

Além de qualquer outra coisa, é a sequência de frames que faz o Cinema ser Cinema, e a beleza do curta A Flor do Mal está em desconsiderar por completo este conceito, em fazer do filme uma montagem não de sequências de fotografias que causariam ao espectador a ilusão do movimento, mas, sim, uma montagem de fotografias paradas, estáticas, inertes no tempo, congeladas. 

Com a boa realização da ideia, o inovador projeto causa ao no espectador uma sensação de estar preso no tempo, de estar paralisado nele, de que os segundos estão parados, de que futuro não chega, de que o presente não existe e de que apenas o passado é real, e ele se arrasta, se perdura, se gruda em nossa alma, sentimento esse de que seria impossível retratar, no nível em que foi retratado em A Flor do Mal, em um curta cujo movimento das imagens se faz presente. 

Como eu disse no primeiro parágrafo, foram corajosos os cineastas que acreditaram nele, seria grande a chance de o projeto cair em uma ideia experimental sem sentido caso não fosse a aparente competência dos envolvidos. 

A começar pela Fotografia – com o peso ausência de movimento, essa se viu mais importante do que nunca ao ter que carregar nela uma imagem bela e agradável, além disso, a falta de cores agregou demasiadamente na atmosfera lúgubre que a Direção visava transmitir. 

Quanto à Direção, não há do que reclamar, foi de arregalar os olhos a aparição do Vulto. Em um curta em movimento, a distorção no corpo do Vulto não causaria o mesmo estranhamento visado pela diretora, a fotografia estática dá à cena um quê de solidez, uma aura de ser real, de ser confiável, o desconcerto emocional que o Vulto causa no espectador é ainda mais presente ao final do curta, quando começam a se sobrepor às imagens, gerando uma catártica e cativante confusão na mente de quem assiste. 

A Trilha Musical é outra camada que merece prestígio, uma música de notas constantes, tensas, angustiantes e que causam aflição ao ouvinte. A curva da música, subindo até chegar ao seu ápice, foi de grande inteligência por parte do responsável, é de fazer o espectador ficar na ponta da cadeira. 

No geral, A Flor do Mal é um curta experimental excelente, os cineastas aproveitaram bem a ideia inovadora que gerou o projeto, realizaram de forma ótima e convincente, é um curta que dificilmente será esquecido, não posso deixar nada além de minhas congratulações aos envolvidos.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Globos de espelhos empoeirados. Crítica do curta '’Noêmia e Laura", por Daniel Magno

É como um daqueles devaneios inesperados meio a um dia quieto, lavando roupas ou fazendo café mais uma vez em mais outra folga parecida com as anteriores, e sem saltar muito à atenção, surge um objeto, uma cor, uma voz, uma textura que de algum modo remete a uma memória deixada no canto da sala como um sistema de som velho ou a foto de um parente perdido, são nesses devaneios em que avaliam-se os sentimentos sobre a própria história e, quase inevitavelmente, sobre os arrependimentos passados em que nostalgia se agarra sem querer à eterna incógnita do "e se eu tivesse feito algo diferente, onde estaria agora?" e projeta outras vidas que poderiam estar sendo vividas. 

Há uma hierarquia de protagonismo clara entre as personagens titulares. Laura, com sua divagação de que "a gente esquece das coisas e só lembra delas quando se depara novamente", despropositadamente põe em movimento esse confrontamento interno de Noêmia com sua própria vida, enquanto seus próprios devaneios oníricos não passam de uma breve nostalgia de suas memórias de infância em uma casa de campo. Longe de ser uma incompletude da obra, este caráter auxiliar da personagem secundária conota a influência interpessoal que faz parte significativa do tipo de convívio que as duas têm. As pequenas ideias, que não se demoram em uma pessoa, podem ressoar por um bom tempo na outra insuflada por perspectivas diferentes de se lidar com o mundo e com a vida. As divagações oníricas de Noêmia, a protagonista, magnificamente guiam o desenvolvimento da narrativa com sua forte carga estética disco representativa das antigas aspirações egóicas da personagem que queria ser musicista quando mais nova.

 O último plano do curta mostra as duas cozinhando e ouvindo música com uma mis-en-scène que se assemelha a uma dupla de DJs operando suas mesas em sincronia. Este momento terno de carinho e compreensão não põe um ponto final nas preocupações e ânsias de nenhuma delas, Laura provavelmente ainda sente que desperdiçou a infância desejando crescer logo e Noêmia ainda se sente insegura sobre suas escolhas de carreira. As reticências que findam o filme demonstra que simplesmente ter companhia para compartilhar os dias, as divagações e os devaneios é um alento essencial para lidar com a complexidade de nossos arrependimentos e desejos. 

'Noêmia e Laura' é etéreo como um sonho de cinema setentista granulado e colorido, acentuando a fantasia na vida através de suas cores vibrantes e globos de espelho esquecidos pela casa, uma ode aos devaneios nostálgicos e as pessoas que sem querer nos resgatam deles, às lembranças que gostaríamos de ter e habitam a imaginação de uma rotina mundana tediosa.

Crítica do curta Como Adivinhar Memórias, por Sara Ribeiro Lima

 



Como Adivinhar Memórias, de Érico José (UFG) é um filme experimental de 3 minutos e 23 segundos. E é simples. Porém, ser simples não significa ser ruim, ou que não seja capaz de despertar sentimentos. A primeira coisa que nos captura ao assistirmos é a trilha sonora que remete ao synthpop, new wave, dark rock, compondo uma belíssima camada que acompanha o que aparentemente seria um sonho estranho. Nesse ambiente onírico, passeamos por uma variedade de ambientes em que o destaque vai para a exploração das iluminações e ângulos. Às vezes causando a sensação de assistir a qualquer programa de televisão antigo, durante a noite/madrugada. 

As imagens aparentemente capturadas com equipamentos antigos (ou editadas para parecer assim) remetem a um comercial da famosa MTV nos anos 90/2000, ou reportagens de domingo à noite no programa Fantástico. Sempre despertando a sensação de um desconforto, um incômodo sem que se saiba explicar muito bem o que é ou de onde vem; mais uma vez, destaco como a trilha sonora contribui de forma bela para esse aspecto. Ela amarra o filme, hipnotiza, desperta sensações e sentimentos. 

O tempo do filme é perfeito. Três minutos ideais para experimentar, prender, incomodar e envolver. Não há longas imagens estáticas que geram cansaço no espectador, mas sempre uma curiosidade culposa. A fotografia e montagem também se destacam aqui, com iluminação, cores e uma linha condutora que não deixa a atenção esvaecer. 

Estamos presos em um sonho desconfortável, do qual não somos capazes de sair; conhecemos personagens que nunca entenderemos quem são, mas sabemos o que querem dizer, como quando o grande coelho vermelho (as cenas com ele são as melhores) rasga um livro, ou queima um coração de papel e o fogo ultrapassa o cenário e invade a tela. 

Talvez o maior problema seja a lacuna que fica do título sem resposta do filme. Afinal, como adivinhar memórias? É provável que, como o coelho vermelho do filme, seja melhor rasgá-las ou queimá-las. Ou, para ouvidos atentos às poucas vozes do filme, lançar o baú das memórias barranco abaixo. 

Algumas características a serem aproveitadas certamente são a ousadia no estilo e nas mensagens subliminares.  Seria repetitivo citar a qualidade musical. Mas, talvez, um cuidado maior com a escolha das imagens (já que algumas delas parecem muito soltas dentro do contexto de ambiência do filme), ângulos, colorização tornasse a experiência um pouco mais sofisticada.

Crítica do curta Côncavo, por Louise Di Fátima

 


"Côncavo" é um curta-metragem experimental com duração de 7 minutos, dirigido e escrito por Eduarda Falesi e Gabriel Darwich em 2021. De acordo com a descrição da obra no canal da Ondina Studio no YouTube, o filme explora o período de enclausuramento e a confusão temporal gerada pela pandemia, proporcionando uma oportunidade de exploração do eu. Como obra experimental, "Côncavo" permite diversas interpretações, cativando o sensível e o imaginário do espectador.

Os ponteiros do relógio introduzem ritmo, o que é habilmente incorporado à montagem, liderada por Gabriel Darwich, criando uma experiência auditiva notável. A cenografia desempenha um papel vital na narrativa, com a disposição minuciosa dos objetos no espaço. Alguns deles estão à margem do quadro, outros posicionados de forma invertida, criando uma atmosfera de caos organizado. A imagem revela múltiplos ângulos de um espaço repleto de objetos diversos, onde não há lugar vazio. Apesar disso, ao mesmo tempo a solidão se faz presente.

Através dos minutos que não passam, emperram, retornam, testemunhamos a personagem, interpretada por Eduarda Falesi, explorando espaço de diversas formas, desafiando as restrições do tempo. Seu figurino se assemelha bastante a cor dos ponteiros. É como se ela fosse o ponteiro principal e o local o próprio relógio. Ela explora o tempo a fim de conseguir embarcar nessa jornada de autodescoberta, passeando por todos os possíveis lugares desse cenário controlando o tempo para explorar seu labirinto de memórias.

A dança se torna o dispositivo para sua busca exploratória, utilizando a linguagem das expressões corporais em sintonia com a trilha sonora composta por Luiz Pardal, evocando um sentimento de liberdade até que a música é interrompida momentaneamente pelo som dos ponteiros do relógio, lembrando à personagem e ao espectador que o tempo está passando.

Um elemento notável que merece destaque é a forma como o filme lida com a representação do rosto da personagem. Em todo o filme, seus cabelos escondem sua face e a única vez que vemos parte de seu rosto é quando ele é refletido no espelho. O rosto dela nunca é diretamente revelado ao espectador, criando um suspense e um mistério constantes. Seu verdadeiro eu é representado apenas nos reflexos dos espelhos, criando uma complexa reflexão sobre a identidade. No momento em que imaginamos que finalmente veremos seu rosto, o espectador é levado a esperar ansiosamente o momento da revelação, que, por fim, ocorre no encerramento do filme, deixando uma impressão duradoura.

"Côncavo" é uma representação profunda do isolamento durante a pandemia, explorando soluções criativas de produção e narrativas que ressoam com as crises existenciais enfrentadas. É um filme inspirador para o espectador em geral que passou por um período desolador, marcado pelas perdas (não só de entes queridos mas como de si mesmo) causadas pela pandemia da COVID-19.

Crítica do curta Makena, por Jean Guilherme Ramos Belo


Mesmo para aqueles que consomem religiosamente o cinema, sempre haverá um gênero que não será dos mais apreciados. Sendo criado com filmes de ficção, essa é a descrição da minha relação com filmes experimentais. Dessa forma, a experiência vendo “MAKENA” foi interessante e também desafiadora, como todo bom filme deve ser capaz de provocar ao espectador. O curta-metragem, dirigido e escrito por Arno Bukanowsky, é uma vídeo-performance que poderia muito bem ser categorizada como um videoclipe. A tela inicial nos dá a descrição dos eventos que serão encenados durante os 7 minutos: Trata-se da representação da história de Makena, uma elefanta resgatada no Quênia, na sétima semana de vida, sem mãe, possivelmente morta devido à caça em busca do marfim. Em fase adulta, a órfã elefanta deu à luz a um filhote chamada “Mumo” que também faleceu. O filme então retrata a jornada de Makena em 3 partes: A gravidez, o relacionamento com seu filhote e sua perda, culminando no fatídico “choro de Makena”. 

Na primeira parte temos a performance de Rayssa Dandara como a protagonista. Não há uma maquiagem elaborada, ou figurino que busque aproximar a atriz do que imaginamos ser um elefante. Em vez disso, o diretor foca exclusivamente no caráter performático do corpo. Com movimentos fortes e bem marcados se intercalando com planos detalhes de mãos quase simulando a tromba do animal, a atriz é bem precisa em transmitir tanto a felicidade da personagem, como a dor do parto. Diante do “minimalismo”, a edição e montagem são bem inventivas para retratar o nascimento de Mumo, interpretada por Michele Aguiar. Então, somos apresentados à relação entre mãe e filha; os planos detalhes começam a ganhar mais espaço e os “close-up” das duas atrizes surgem. Há uma forte sensação de ligação entre as duas, principalmente de felicidade, pontuada pela fotografia realizada pelo também diretor. Nesse segmento, no entanto, as expressões faciais das atrizes não conseguem se igualar em qualidade aos movimentos do corpo, prejudicando bastante a cena de morte de Mumo; ambas as atrizes não atingem o nível de atuação necessário para transmitir a dor da perda. O terceiro ato lida com a dor do luto. A fotografia, tão otimista nos dos primeiros atos, agora busca no preto e branco o pessimismo. A trilha sonora envolvente abandona o curta, uma nova surge, embora genérica, eficiente em transmitir a dor. Nesse momento, temos as imagens mais oníricas até então; realmente podemos afirmar que a vida de Makena se tornou um pesadelo. A atuação cresce exponencialmente; a expressão de tristeza da protagonista contrasta perfeitamente com o significado de seu nome na língua Kikuyu, feliz. O choro de Makena é bastante doloroso de se assistir. Os dois últimos planos são extremamente simbólicos: em primeiro plano a protagonista em volta da melancolia e ao fundo uma figura desconhecida. Seria sua mãe ou Mumo? Independentemente, o plano posterior retrata Makena sozinha no mundo mais uma vez. Ao final, somos lembrados do trabalho desenvolvido pela “Sheldrick WildLife Trust” em proteger as espécies no Quênia e uma imagem real de Makena e Mumo. Em resumo, em aproximadamente 7 minutos, Makena é uma jornada bem executada; partindo da felicidade até a aflição.

Crítca do curta Cartas de Arapuca, por Luis Felipe da Silva Alves


"Cartas de Arapuca" é uma obra cinematográfica singular dirigida por Paulo Pontes, nascida nas terras da Paraíba, especificamente explorando o município de Conde, que se encontra em proximidade com a vibrante João Pessoa. Este filme não é apenas uma narrativa visual, mas sim uma expressão artística que mergulha nas complexidades da relação entre o urbano e a natureza, destacando a interação intrínseca entre as paisagens urbanas e os ecossistemas naturais. 

Ao desbravar as belezas de Conde, o filme adota uma abordagem subjetiva em sua narrativa, proporcionando ao espectador uma jornada de contemplação. Uma característica notável é a constante presença de duas paisagens em tela dividida, uma técnica cinematográfica que ressalta as dualidades presentes no cenário. Este contraste é habilmente explorado ao expor paisagens similares e, por vezes, contrastantes, destacando a riqueza visual do local.

Além disso, "Cartas de Arapuca" destaca-se ao transmitir uma mensagem de valorização do ambiente local. O filme se esforça em revelar toda a exuberância das paisagens e da vida que o município possui, tornando-se uma ode à beleza muitas vezes negligenciada dos locais menos explorados. A produção não apenas registra, mas celebra a autenticidade e diversidade cultural de Conde. 

No entanto, como toda obra, "Cartas de Arapuca" não é isenta de críticas. Um ponto que merece destaque é a demora na transição entre os planos. Os cortes prolongados podem resultar em uma experiência menos dinâmica para o espectador. Uma edição mais ágil poderia aprimorar a fluidez da narrativa, envolvendo ainda mais o público na temática do filme. Esta crítica construtiva não nega a qualidade da obra, mas sugere uma possível área de aprimoramento. 

A força da temática experimental empregada na produção não pode ser subestimada. "Cartas de Arapuca" destaca-se como um projeto de conclusão de curso, enriquecendo o cenário do cinema universitário com sua excelência técnica e originalidade. A obra transcende as fronteiras do convencional, explorando novas abordagens e contribuindo para a evolução do meio cinematográfico. 

Em síntese, "Cartas de Arapuca" é mais do que um simples filme regional; é uma expressão artística que tece uma narrativa visual sobre a interconexão entre o urbano e a natureza. Ao mergulhar nas paisagens de Conde, a obra destaca-se por sua contemplação visual, enquanto simultaneamente instiga uma reflexão sobre a invasão urbana e a importância de valorizar os lugares menos explorados. Ainda que com aspectos a serem refinados, a contribuição deste filme para o cinema experimental e a representação do local é inegável.

Em traços simples, uma reflexão profunda. Crítica do curta Bala Perdida, por Ana Carolina Braz


O curta-metragem "Bala Perdida" é uma obra experimental que se destaca por sua abordagem única e seu poder de provocar reflexões profundas. Com uma estética visual minimalista, o filme utiliza traços simples, um fundo branco e personagens transparentes, trazendo as cores apenas para as luzes intermitentes. Essa escolha estilística cria um contraste visual marcante que imediatamente atrai a atenção do espectador. 

A narrativa do curta gira em torno de uma dualidade fascinante: as balas perdidas, que representam a violência decorrente de tiroteios entre a polícia e bandidos, e as balas de doce, que simbolizam momentos de alegria e celebração. A história começa como um retrato do cotidiano do protagonista, gradualmente construindo a expectativa de que ele tenha sido vítima de uma bala perdida, um evento trágico que, infelizmente, é uma realidade em muitas comunidades. A forma como essa narrativa é desenvolvida é notável, pois nos faz questionar nossa interpretação dos eventos e nossas próprias suposições. A reviravolta emocional ocorre quando descobrimos que a bala que atinge o protagonista na testa é, na verdade, uma bala de doce. Essa reviravolta é impactante, uma vez que subverte nossas expectativas de uma tragédia iminente. O uso das cores e das luzes desempenha um papel crucial nessa reviravolta, uma vez que inicialmente acreditamos que são as luzes das sirenes do carro de polícia que estão brilhando, mas, na verdade, são as luzes de uma festa. Essa mudança repentina de atmosfera nos faz refletir sobre a maneira como percebemos e interpretamos os eventos à nossa volta. 

O curta-metragem "Bala Perdida" é um exemplo convincente de como a arte pode ser usada para abordar questões sociais complexas de maneira criativa e impactante. Ele nos leva a questionar nossos preconceitos e suposições sobre situações cotidianas e eventos trágicos, destacando a importância de olhar além das aparências. A simplicidade visual e a narrativa surpreendente convidam o espectador a repensar a forma como percebe o mundo. Além disso, o filme nos conduz a uma reflexão profunda sobre a dualidade da realidade, destacando como nossas percepções podem ser moldadas por eventos aparentemente simples. Ele nos convida a questionar nossas preconcepções e a reconhecer que nossa interpretação do mundo é frequentemente influenciada por nossos próprios pressupostos. A mensagem implícita é uma lembrança poderosa de que, por trás de acontecimentos aparentemente mundanos, podem residir lições profundas sobre a complexidade da vida e da perspectiva humana. 

Por fim, "Bala Perdida" é um curta-metragem experimental notável não apenas pela sua estilização visual única, mas também por sua habilidade de abordar um tema complexo com diversas camadas, ao mesmo tempo em que incorpora elementos de humor de forma inteligente. O filme transcende a mera estética visual, proporcionando uma experiência cinematográfica que estimula o espectador a refletir profundamente sobre as questões que aborda.

"Estação Metropolitana’’: Uma Profunda Incursão Cinematográfica pela Efemeridade e Complexidade das Vidas Urbanas. Por Luiz Felipe Soares Borges

 


O filme 'Estação Metropolitana', de Victor Curi, exibe uma profunda maestria na transformação da cotidianidade em uma narrativa que transcende as fronteiras do trivial. Situando-se em uma estação de trem aparentemente comum, o diretor revela uma habilidade única em entrelaçar elementos visuais, filosóficos e narrativos, alçando o filme a uma categoria de contemplação cinematográfica digna de atenção crítica.

Nesse documentário, a sutileza reside na maneira como as narrativas anônimas se entrelaçam com a vida efervescente da estação de metrô. O diretor habilmente intercala relatos anônimos, carregados de nuances socioeconômicas, com visuais vibrantes da estação e seus arredores. Esta técnica narrativa proporciona uma imersão singular, permitindo ao público observar não apenas a movimentada dinâmica da estação, mas também absorver as complexas camadas da vida urbana.

A abordagem de contar histórias de forma anônima é um dos aspectos mais cativantes do filme. Ao dar voz àqueles cujas experiências geralmente passam despercebidas, o documentário oferece um retrato autêntico e visceral das lutas, desafios e questões sociais subjacentes na vida cotidiana. Essas histórias, entrelaçadas com a vida movimentada na estação de metrô, criam um panorama humano envolvente, elevando a narrativa a um patamar onde a vida se desdobra em múltiplas realidades.

A influência da filosofia heideggeriana, notadamente a ideia de 'ser-lançado-no-mundo', permeia cada cena, transformando a estação de trem em um palco onde cada indivíduo, lançado em sua existência, desempenha simultaneamente os papéis de ator e espectador de sua própria condição existencial.

Ao explorar o vai e vem dos passageiros, o filme captura a essência da condição humana, onde a chegada ao mundo é um evento ao qual não consentimos, mas que determina o curso de nossas vidas. Cada rosto anônimo na estação personifica a complexidade de existir em um lugar e tempo específicos, uma realidade muitas vezes inexplorada pelos olhares apressados dos transeuntes cotidianos.

A metáfora visual do trem, em constante movimento, reflete o fluxo inexorável do tempo e as experiências que ele carrega consigo. Cada carruagem, como um capítulo distinto, traz consigo as histórias, alegrias, tristezas e, inevitavelmente, as

despedidas. Nesse contexto, a estação torna-se não apenas um ponto de partida ou chegada, mas um ponto de convergência de destinos, um teatro onde as narrativas individuais se entrelaçam brevemente.

Além disso, a direção sensível traz um vislumbre de características marcantes de cineastas icônicos. A abordagem contemplativa e a atenção minuciosa aos detalhes remetem ao estilo de Wong Kar-wai, especialmente em filmes como 'Amor à Flor da Pele', onde a vida cotidiana é transformada em um palco de emoções complexas e intrincadas.

A montagem do filme merece particular atenção. A eficácia ao retratar a complexidade de situações em um ambiente de transporte público evidencia uma compreensão profunda da linguagem cinematográfica. A multiplicidade de elementos, pessoas e temas, habilmente entrelaçados, não só reforça a atmosfera caótica inerente ao transporte público, mas também oferece uma visão mais ampla da multiplicidade de experiências cotidianas.

A coesão entre imagem e narrativa, aliada à capacidade de transmitir uma sensação única do lugar, sugere que o diretor não apenas sabe o que está fazendo, mas o faz com destreza. Sua habilidade em criar uma atmosfera distintiva contribui para a singularidade e impacto do filme, solidificando-o como uma realização cinematográfica que vai além da simples documentação para se tornar uma experiência sensorial e reflexiva.

Crítica de Ecos da Rua, por Antonio Moura


 

“Ecos da Rua” é um curta-metragem documental dirigido por Lucka Saballa Lemos e produzido por Gabrielly Pires de Aguiar, que leva o selo da Universidade Feevale do Rio Grande do Sul. 

A proposta do filme é compilar várias entrevistas de moradores de rua, que, mesmo compartilhando a mesma situação social, possuem histórias, condições físicas, experiências de vida e círculos sociais consideravelmente distintos. Tendo eles a absoluta liberdade em discorrer, sem restrições, sobre o que desejam falar. 

A obra acerta majestosamente em se manter fiel à sua proposta durante cada segundo de exibição. Os entrevistados comandam o rumo da narrativa e a montagem é cirúrgica em ritmar e conectar os relatos, permitindo assim que o espectador não apenas os conheça individualmente, como também se transporte para outros relatos sem confusão – podendo compará-los e se manter sempre engajado no conteúdo mostrado. A fotografia e o som foram devidamente registrados e se adaptam aos diferentes cenários das entrevistas, exibindo o essencial com a nitidez almejada e compensando empecilhos que poderiam prejudicar o todo. 

O filme poderia mudar a tipografia principal do título e possui alguns momentos em que a trilha sonora musical poderia soar anacrônica, contudo, tais aspectos não prejudicam em nada a experiência. Afinal, a segunda maior virtude desse projeto – quiçá a maior virtude de sua forma --, provém das reflexões instigadas pelo mesmo referido. Não se oferece mais um documentário sentimentalista superficial de um determinado grupo social em situação de risco, e sim, um retrato sóbrio e verossímil de uma realidade sempre vista, majoritariamente desprezada e quase nunca ouvida. Os olhos e ouvidos mais atenciosos e refinados podem detectar um autêntico cri de coeur potencializado pelo aparato cinematográfico, não falso ou dramatizado, mas sincero. 

Em suma, “Ecos da Rua” é um filme perfeitamente consciente de sua técnica e forma, propoedor de uma rica e sólida perspectiva a respeito de um tema de grande relevância social e está disposto a levar seus espectadores para além dos 18 minutos de sessão.

Crítica do curta Mulher Vestida de Sol, por Juliana Sousa da Silva

Com direção, roteiro, produção, arte, som e edição assinados por Patricia Moreira, “Mulher Vestida de Sol” é um curta-metragem de animação 2...