Saudade é uma palavra que só existe na língua brasileira, ela engloba sentimentos que vão além da falta, além da ausência, da carência. Saudade no Brasil tem gosto, tem cheiro, tem cores, tem sons e poucas coisas deixam mais saudade do que o lugar de onde somos. O curta-metragem cearense “Do tanto de telha no mundo” é o retrato de uma saudade premeditada, que quase todos que buscam crescer longe de casa um dia irão sentir. O filme acompanha Leo, um artista jovem, voltando para Juatama, o interior em que cresceu e onde Cleide, sua mãe, ainda mora.
“Do tanto de telha no mundo” tem uma natureza muito relacionável, não tanto pela visualidade (isso depende de outros fatores, claro), mas sim pela sensibilidade ao retratar a relação de uma pessoa com o lugar de onde ela veio, mais ainda, a relação com a pessoa que a criou. A história de Leo é comum entre jovens que deixaram o interior em que cresceram, é importante ressaltar que esse movimento para os centros urbanos parte mais da falta de acesso a oportunidades do que de uma vontade genuína da pessoa que deixa sua cidade, daí a saudade tão conflitante de casa. Nessa familiaridade distante, o filme ganha uma potência emocional que é disposta na tela sem muita complexidade. Uma mãe e um filho sentados em uma mesa tomando café, um filho que tem dia e hora para partir, uma mãe, uma cidade, que estarão sempre de braços abertos.
É muito conflitante esse aspecto ambíguo da saudade, a melancolia de algo que não está aqui e a alegria das memórias boas de algo que já esteve perto. Se torna algo quase incomunicável, penso que essa natureza complexa do que é saudade consegue ser transmitida e comunicada através das imagens mais simples: o retrato de uma pessoa que já partiu, fotos da casa em que cresci, uma música, um cheiro, todas coisas que residem no passado. Leo, ao voltar para sua cidade natal e saber que irá para tão longe dela, experiencia uma saudade do momento presente, dos cômodos de sua casa, das ruas da sua cidade, da sua mãe, é o último momento - pelo menos por bastante tempo - em que ele se sentirá em casa e através de enquadramentos, sons, objetos, interações, nós também somos contaminados com essa saudade “ao vivo”. Nos faz lembrar de nós mesmos, das nossas casas, das nossas famílias, das nossas trocas.
É comovente ver cinema universitário sendo feito dessa forma, com uma história e discurso que, imagino eu, todo jovem artista brasileiro, principalmente do norte e nordeste, consegue se relacionar. Existe um sentimento forte em “Do tanto de telha no mundo”, e em quase todo filme universitário, de uma coletividade que existe por causa de discursos que a representam, de maneira mais ou menos direta. No caso de “Do tanto de telha do mundo” essa colaboração resulta numa experiência fílmica emocionante, através de suas imagens, repletas de visuais que nos fazem lembrar de casa e através dos seus sons e músicas que permeiam o imaginário. É necessário uma sensibilidade singular para transmitir certas emoções e a pessoalidade intrínseca do filme faz com que tudo se desenrola muito organicamente, com a familiaridade que o filme exige.
Eu diria que “Do tanto de telha no mundo” é um grito de saudade, mas em vez de nos chocar, impactar, explodir, o filme vai crescendo lentamente dentro do peito, vai nos familiarizando com o espaço, provocando lembranças, quando de repente, sem surpresa alguma, nos vemos tomados por uma saudade. Isso é mérito também da direção singela e potente de Bruno Brasileiro, que me surpreendeu da melhor maneira possível, é sempre bom se relacionar com o que se assiste e se sentir um pouco mais próximo da pessoa que realizou aquilo e esse filme me deu essa oportunidade.