sábado, 7 de dezembro de 2024

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Pálido Ponto Vermelho

Por Raphael Mendes



Pálido Ponto Vermelho, um curta-metragem brasileiro de horror e ficção científica escrito e dirigido por Kalel Pessoa, Lucas Parijós e Arthur Oliveira, utiliza o subgênero found footage e um contexto jornalístico fictício para explorar questões contemporâneas como desastres ambientais e a efemeridade da vida, enquanto faz uma crítica ao sensacionalismo e à busca por respostas no caos contemporâneo. Com cerca de 20 minutos, a obra gira em torno do "Obelisco Escarlate", um objeto misterioso que surge em um campus universitário e desencadeia caos após um incidente com um grupo de documentaristas.

Pálido Ponto Vermelho se insere no debate sobre as limitações e as potencialidades do found footage no cinema contemporâneo. O subgênero, amplamente associado a filmes de baixo orçamento e terror, tem sido utilizado para gerar desconforto por meio de distorções visuais e sonoras. No entanto, a sua utilização exige mais do que uma repetição de recursos estéticos; é necessário um tratamento narrativo que eleve a experiência. Nesse sentido, o filme traz uma reflexão sobre os desastres ambientais e a fragilidade humana, mas também se aproxima de outras obras no subgênero, como A Bruxa de Blair (1999), ao apostar na desconexão entre a imagem e o som para aumentar a tensão. Aqui, há um uso criativo da realidade, levando em consideração que o filme explora essa técnica para construir uma narrativa perturbadora, mas também arrisca cair em uma certa redundância estilística.

O principal ponto positivo de Pálido Ponto Vermelho está na sua capacidade de transformar limitações orçamentárias em recursos criativos. A estética analógica, com imagens deterioradas e distorções sonoras, é uma ferramenta eficaz para gerar uma sensação de desorientação e desconforto. A escolha do found footage se faz justificada não apenas como uma referência ao gênero, mas também como uma tentativa de aproximar o espectador do caos e da imprevisibilidade que a história propõe. A utilização do jornalismo fictício confere verossimilhança à trama, tornando-a mais realista dentro de seu contexto ficcional, e ao mesmo tempo, estabelece um paralelismo com a forma como os eventos de grande escala são apresentados e consumidos na mídia contemporânea.

Além disso, a cena final, com a música Último Dia de Paulinho Moska, traz uma camada emocional significativa à obra. A escolha dessa canção, com seu tom melancólico e reflexivo, encerra a narrativa de forma simbólica, ampliando o impacto do filme ao conectar questões existenciais com a realidade de um mundo pós-pandêmico.

Embora a estética de Pálido Ponto Vermelho seja um de seus maiores trunfos, o filme não está imune a alguns problemas relacionados à repetição e ao ritmo narrativo. O uso de texturas visuais desgastadas e sons distorcidos, por mais eficazes que sejam no início, acabam se tornando previsíveis e pouco inovadores à medida que o filme avança. A falta de originalidade em certos aspectos visuais enfraquece o potencial do curta de se destacar no gênero found footage, que já é saturado por convenções estéticas similares.

Outro problema significativo é o ritmo irregular da narrativa. O filme oscila entre momentos de grande tensão e passagens mais lentas, que comprometem a experiência imersiva do espectador. A história, embora interessante, poderia ter sido mais bem equilibrada, com mais foco no desenvolvimento dos personagens. A construção deles é superficial, o que torna difícil para o público se conectar emocionalmente com os eventos que se desenrolam. Em um gênero que depende da intensidade e do impacto emocional, a falta de uma conexão mais profunda com os personagens é uma falha que diminui o impacto do curta.

Pálido Ponto Vermelho se posiciona como uma obra importante dentro do cinema universitário, principalmente no que diz respeito à exploração do found footage e das questões ambientais e existenciais que ele aborda. A utilização criativa de recursos limitados mostra o potencial do cinema de baixo orçamento como veículo para experimentação estética e narrativa. No entanto, o filme sofre de alguns problemas de execução que comprometem sua capacidade de se destacar completamente. A repetição de certos recursos e a falta de um ritmo mais coeso dificultam que o curta atinja o impacto emocional desejado.

A contribuição do filme para o cinema universitário reside, sobretudo, na forma como ele subverte as expectativas do found footage, utilizando o estilo de maneira crítica para engajar o espectador em uma reflexão mais profunda sobre os desafios do mundo contemporâneo. O desafio está em repensar os limites da estética found footage e explorar mais profundamente a construção de personagens e a continuidade narrativa. A obra abre espaço para uma reflexão mais ampla sobre a fragilidade da vida e a inevitabilidade de catástrofes, sendo uma contribuição valiosa para o cinema de gênero com um enfoque crítico e experimental. No entanto, o ideal seria equilibrar melhor a forma e o conteúdo, para que a obra se distinga de forma mais significativa dentro do contexto do cinema contemporâneo.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Penumbra

Por Tais Gouveia



No filme Penumbra, roteirizado e dirigido por Jonathan Aguiar, da UJST, vemos o encontro vindo do além-túmulo de Enzo e sua avó Marcélia enquanto estes estão iluminados por velas na cozinha por conta de uma falta de energia na casa. Enquanto estão os dois na penumbra, eles têm uma conversa repleta de ternura, julgamentos e, por fim, aceitação.

Durante o apagão em que o pequeno Enzo acorda sozinho, pois sua mãe Regiane saiu para trabalhar a noite, ele recebe a visita de sua avó. Os dois matam a saudade na cozinha e também discutem sobre questões terrenas (como se a tapioca que a vó preparou está boa, como está a criação do menino e se ele vai proteger a mãe) e celestiais (os dois indagam quem vai para o céu).

O maior conflito do filme reside na discussão em que o personagem da avó Marcélia se indigna em como a criança estaria brincando com brinquedos e adereços ditos para meninas, e ainda os guardando em uma caixa outrora sua, simbolicamente substituindo velhas crenças por novas. Após a avó enfaticamente dizer que o menino não iria para o céu e tampouco sua mãe, ela afirma que já está no céu. Logo após, os dois se abraçam e vão dormir, a avó cantando uma música cristã para a criança pegar no sono.

É evidente, pelo cuidado e atenção aos detalhes que a direção de fotografia e de arte tiveram, que a “penumbra” a qual o título se refere é uma espécie de estado transitório, como a própria definição da palavra: ponto de transição da luz para a sombra. Acompanhamos o personagem de Enzo sair da escuridão para ter uma conversa em luz de velas com a avó, depois voltando a escuridão juntos e depois acordando na luz natural do dia nos braços de sua mãe, onde o menino indaga se a sua avó voltaria, porém sua mãe não lhe dá resposta positiva.

O encontro na penumbra entre os personagens serviu ao propósito de fazer os personagens seguirem em frente, cada qual a sua maneira. A avó vai embora após fazer seu cântico cristão para embalar o seu neto, firme em suas crenças no paraíso onde afirmou outrora em que já estava. O menino e a mãe ambos aceitando sua partida que provavelmente não teria volta, ambos vão continuar vivendo o que a avó desaprovava, o que, no fim das contas, está tudo bem.

Penumbra é um filme sobre um momento de transição, da luz baixa para a escuridão e depois para a luz, da incompreensão para a aceitação, embora não haja um entendimento total entre seus personagens. Eles aceitam a si e aos outros, a vida e o além-vida como este é.

Cobertura do 8º Toró - Como Chorar Sem Derreter (Crítica 2)

Por Ádria Sofia Dias Lage




Primeiro você está em uma sala de cinema com amigos. Em seguida, do lado de fora, ouvindo sua amiga dizer que quer ir para casa chorar e comentando (você, não ela) que adquiriu a habilidade, sem saber ao certo se boa ou ruim, de evitar (ou fugir) do choro após a pandemia. Algumas horas depois, talvez como prova cabal de que estamos destinados a encontrar as coisas certas no momento certo, você está em casa assistindo a outro filme para escrever uma crítica, notando que de certa forma a protagonista é você (mas também é ninguém mais, ninguém menos que Betty Faria, reluzindo casualmente em um curta universitário).

Após muito tempo segurando o choro, uma mulher (reiterando: Betty Faria! Em um curta universitário!) recebe a estranha ajuda de uma criança para reverter a secura em seus olhos. Se a criança tivesse vinte e tantos anos e se chamasse Beatriz, essa poderia ser a minha história de horas atrás, mas na verdade é a premissa de Como Chorar Sem Derreter, dirigido e idealizado por Giulia Buttler, estudante de Cinema pela PUC-RIO. Trata-se de uma espécie de fábula contemporânea, carregada de uma poética intimista e ainda assim quase que universalmente identificável, afinal quem nunca, por pelo menos um dia na vida, sufocou tanto as próprias emoções que até assimilou esse modo de vida como natural, só se dando conta da própria repressão após um breakdown, como quem prende a respiração e só percebe quando a solta?

Um dos grandes méritos do projeto reside justamente na sua capacidade de identificação em níveis tão pessoais com o espectador, confrontando-no em camadas emocionais profundas e por vezes desconfortáveis, mas diluindo a visceralidade do tema em uma estética onírica e encantadora, com uma direção de arte e iluminação, minhas partes favoritas do filme (embora também não se possa ignorar o trabalho sonoro imersivo e repleto de camadas), que fazem o público se sentir dentro de um sonho infantil, com uma plasticidade que lembra os videoclipes antigos da Melanie Martinez ou, abrasileirando, a novela Meu Pedacinho de Chão, ambas referências que me agradam muito.

Outro ponto que me chama atenção no projeto é a inteligência da decupagem. Recentemente, um amigo que trabalha com audiovisual há pelo menos uma década comentou que se incomodava com a megalomania da maioria dos projetos universitários, que frequentemente se propunham a fazer planos muito abertos sem condições para preencher cenográfica e fotograficamente tal porção de tela. Talvez essa produção especificamente não tenha sofrido de formas tão profundas com a escassez de capital, mas ainda assim é um exemplo de que se pode obter ótimos resultados ao trabalhar com planos mais fechados, poupando o fôlego, a criatividade e os recursos universitários para compor satisfatoriamente espaços menores, ao invés de ressaltar as faltas por meio de planos que, devido às limitações inerentes às produções não industriais, não funcionam tão bem na prática.

Assim, Como Chorar Sem Derreter é um verdadeiro acalento ao coração, que nos lembra em seus visuais lindíssimos e muito bem pensados que, quando estamos perdidos dentro da nossa própria inabilidade emocional, talvez a resposta ainda seja encontrar e abraçar a nossa criança interior, assim como Elisa faz com a sua, e assim como eu e talvez a minha Amiga Companheira de Cinema deveríamos fazer ao esbarrar com as nossas.

Cobertura do 8º Toró - Como Chorar Sem Derreter (Crítica 1)

Por Richerd Oliveira



O curta “Como Chorar Sem Derreter”, dirigido por Giulia Butler e produzido pela faculdade PUC-RJ, traz Elizabeth e o problema que surgiu de forma repentina em sua vida em forma de uma condição de saúde negativa: Um bloqueio do canal lagrimal. Na primeira cena da obra, há uma floresta e uma pequena casa com uma fechadura. Então, uma mão se estende e, com uma chave, abre a fechadura da casa que nos apresenta seus cômodos. Após isso, somos transportados para uma sala de exame, onde Elizabeth, nossa protagonista, se encontra em uma consulta com uma oftalmologista que explica a ela sobre sua condição e as razões para esta se desenvolver. A doutora explica e diz que a condição leva o nome de “Doença do Ator”, associando isto à busca dos atores em retratar, de forma realista, mas ainda sim fingida, sentimentos e emoções humanas a fim de criar uma sensação de verdadeiro, “congelando-as” com o propósito de quebrá-las apenas nos momentos necessários. Após sua consulta, Elizabeth volta para sua casa e a partir disso somos apresentados a uma garota até então desconhecida brincando com uma geleia, Eliza parece conhecê-la.

Sequencialmente, Elizabeth prepara a janta sob a companhia da garota enquanto corta cebolas. Nesse momento, até o simples ato de cortar cebolas não permite que Eliza chore, precisando que a garota fique responsável por borrifar partículas de água em seus olhos a fim de, ao menos, hidratá-los. Durante a janta, a garota novamente retoma a fala da Oftalmologista e diz à Eliza que sabe a razão pela qual ela não consegue chorar. A menina então diz que é necessário realizar alguns testes para ter certeza da condição de Eliza, que prontamente aceita participar.

Somos então levados a um laboratório, no qual Elizabeth se acomoda enquanto a garota prepara seus equipamentos para os seus testes. Fazendo uso de um estetoscópio, Elizabeth tem seus batimentos examinados pela menina, que afirma que seus sentimentos estão embaraçados. Eliza diz que sempre foi assim. A garota então explica que há várias camadas – sentimentos – das quais Elizabeth não se lembra. Eliza retruca dizendo que se retirar todas as máscaras – sentimentos – o que sobrará? Os testes continuam e a garota diz ouvir as lágrimas se formando e recomenda que Eliza pare de “engolir o choro”, que responde dizendo que não faz de propósito, até mesmo esquecendo de como chorar. A garota pergunta então o que faz quando está triste. Elizabeth responde de modo reflexivo, dizendo que não sabe e apenas espera. A garota pergunta “E se você não puder esperar?”, com Elizabeth respondendo uma última vez: “Tem anos que só choro com personagens” e a menina retruca “Mas você não é atriz”. O teste termina com Eliza respondendo a afirmação da garota, dizendo que, de fato, não é atriz. A sequência se encerra com a menina descobrindo a razão pela falta das lágrimas e Elizabeth ao lado da pequena casa que abriu no início da obra.

Por fim, somos apresentados a um equipamento com tubos e líquidos. Vestindo o equipamento, Elizabeth aguarda enquanto a garota começa a configurá-lo e insere, através de uma seringa, um líquido semelhante a lágrimas que passam pelos tubos do equipamento e vão até o rosto de Elizabeth, simulando um choro. A partir deste momento entendemos o propósito da engenhoca: Simular o choro para Elizabeth e permitir que ela se cure da sua condição. No fim desta sequência, há uma mudança de cenário do laboratório para Elizabeth sob a luz do sol e em uma floresta chorando de fato. O curta se encerra.

O curta, como um todo, diz respeito a dificuldade e quase impossibilidade de Elizabeth de poder chorar. Isso se reflete em muitos momentos com a expressão neutra que Eliza esbanja, nunca demonstrando nenhum sentimento sequer, mesmo sob a companhia da tal garota. A reflexão que a garota faz com Eliza sobre esta dificuldade que ela tem em aceitar os sentimentos e permitir senti-los, provoca em Elizabeth um questionamento e uma quebra do que seria essa impossibilidade de chorar. Sob um olhar mais narrativo, entendemos que o curta se trata de uma senhora tentando melhorar sua condição e uma garota que estuda sobre, e inventa um equipamento que a ajude para isso. Entretanto, a partir da análise simbólica do filme e pequenas pistas, é possível identificar que a tal garota nunca existiu e apenas estamos presenciando a reflexão da própria Elizabeth em seu interior psicológico. No primeiro momento da obra, somos apresentados a uma pequena casa com uma fechadura. Quando uma mão se estende segurando uma chave, abrindo a tal casa, somos apresentados a cômodos semelhantes aos que aparecem no curta. A partir disso, presenciamos sob a perspectiva de Elizabeth eventos rotineiros do dia a dia, mas que, subliminarmente, trata-se de observações da própria Elizabeth acerca do que ocorrera consigo mesma. Ela passa por diferentes cenários e momentos, sempre acompanhada da tal garota que nunca nos é revelado o nome. Nesta análise, é possível entender que a pequena casa se trata de uma representação do que seria os sentimentos e a mente de Eliza. A garota seria um dos personagens criados por ela mesma, retomando a fala dela durante os testes com a mesma garota onde Eliza diz que “há anos que chora com personagens”, retratando a menina como aquela faísca de esperança e humanidade que ainda há no coração de Elizabeth, pois é esta mesma garota que permite que Elizabeth finalmente se entregue aos sentimentos e chore. O que reforça este argumento são os momentos em que a pequena casa é observada no curta. No primeiro momento ela é aberta por uma chave pela própria Elizabeth, traduzindo como um embate interno sobre o que ela sofre: A supressão de sentimentos e como isso a prejudica.

A casa serve de objeto para retratar, de modo observável e palpável, o que seria esta adversidade que Elizabeth encara no momento e como, ao longo do curta, ela aceita que a casa não deve ser trancada, mas aceita do modo que é. Isto é mostrado brevemente em um momento, quando Elizabeth está sentada escorada na casa enquanto observa a câmera. A garota, sem nome e apenas acompanhando nossa protagonista, seria um daqueles personagens que Elizabeth menciona durante seu teste. A significância por traz dela é subjetiva, cabendo ao espectador compreender e assimilar da maneira que preferir. No entanto, a partir do que a obra apresenta, é compreendido que a garota nada mais é que uma concepção criada propriamente por Elizabeth como suporte neste seu momento de conflito interno gerado pelo longo intervalo de anos retendo os seus sentimentos mais profundos. As soluções que a garota oferece seriam as conclusões que Elizabeth fez a partir da autoanálise da sua natureza, do seu eu. Pode-se também que a garota seria Elizabeth mais nova, mas novamente, isso seria cabível ao próprio espectador deduzir.

Por fim, o equipamento utilizado por Elizabeth. Através das ações da própria garota e da cena final em que ela chora artificialmente através dos tubos que liberam “lágrimas”, pode-se entender como a fase de aceitação e reparação de Elizabeth quanto ao seu conflito interno. Isso é reforçado quando as luzes acima de Elizabeth piscam, indicando instabilidade e a redenção dela para com seus próprios sentimentos. A cena logo muda para Elizabeth na floresta, na mesma posição. O curta se encerra. Sob este viés e com a cena final, entende-se que tudo que observamos tratou-se de um conflito interno observado pela própria Elizabeth. A criação dos cenários, da casa e da própria garota partiu da mente de Eliza como recursos para permitirem uma recuperação mais eficaz e finalmente o acolhimento dos sentimentos por parte de Eliza. O curta apresenta planos estáticos e com uma fotografia cuidadosa, sempre buscando uma identidade visual natural, alternando entre cores frias e quentes dependendo da cena/contexto da obra. Todos os planos são estáticos, com a presença de muitos close-ups e planos detalhe, criando um ligeiro desconforto no espectador sob as circunstâncias que a protagonista se encontra. Apenas na cena final a obra adota a câmera na mão, passando um sentimento de naturalidade a partir do que acontecera na narrativa do curta. A escolha técnica de manter planos estáticos, transmite ao espectador que Elizabeth está em constante análise da sua vida, sempre refletindo sobre os momentos que passou e sua luta para tentar quebrar a barreira que a impede de sentir seus sentimentos. Quando finalmente sucede, o plano com uso da câmera na mão transmite essa conquista e, ao mesmo tempo, simboliza o alcance que Eliza conseguiu ao finalmente se conectar com seus sentimentos e seu lado humano natural.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Meio Éden

 Por Tainá Araújo Simões



Meio Éden é um filme de ficção de 2023 escrito e dirigido por Clara Estolano da Universidade Federal de Juiz de Fora e acompanha uma mulher que está sofrendo com a ausência de seu marido ou apenas aparenta estar. O filme começa mostrando a casa e fotos do casal espalhados pelos cômodos com uma ligação em off de seu marido avisando que está voltando para casa. Logo em seguida, aparece uma mulher sentada ao chão, encostada na cama com um olhar vazio. Com o decorrer da narrativa, a personagem apresenta um sentimento melancólico, sendo aparente em alguns momentos um pouco de raiva, e ao final do que seria uma história sobre luto ou solidão, descobrimos que, na verdade, foi a própria esposa quem matou seu companheiro.

O filme começa com uma narrativa ambígua. Sabemos que o marido não está mais presente, mas não sabemos o que aconteceu, o que nos leva a pensar em várias possibilidades. A narrativa é conduzida em duas partes, começando de um ponto de vista de uma trama mais dramática, mostrando uma rotina solitária com uma mulher que sente com a ausência de seu marido e, de forma sutil, muda para um caminho mais tenso. Pequenas dicas deixadas ao longo do filme, como o corte na testa e quando ela joga a escova de dente e as flores fora, mostram essa virada no modo como vemos a história.

Tratando de quesitos mais técnicos, Meio Éden possui uma fotografia bela e que combina com o tom da narrativa. A câmera fixa e os enquadramentos que focam em mostrar as expressões e os detalhes do cenário nos ajudam a acompanhar o estado emocional da personagem, assim como contribuem para a mudança de uma atmosfera dramática para uma de suspense. O mesmo vale para a arte que compõe um cenário simples e praticamente vazio, mas que se atenta aos detalhes e que aparenta espelhar o estado melancólico da personagem.

O filme é repleto de planos longos e contemplativos, que, por um lado, servem como fator para criar tensão nas cenas, nos fazendo ficar na espera de que algo aconteça. No entanto, com o passar do tempo, a narrativa começa a se tornar cansativa, especialmente porque, ao longo do curta, pequenas dicas sobre o que está por vir são deixadas, o que torna a expectativa cada vez mais previsível, tornando os planos longos um pouco excessivos e contribuindo para a lentidão da trama, que se arrasta durante os quase 20 minutos de duração.

Acho que o fator principal do filme é mostrar que nem tudo é o que parece. De uma maneira lenta, mas bem construída, o curta-metragem mostra que, por trás da aparente solidão e luto, se esconde algo mais sombrio. A direção de Clara Estolano consegue, de forma habilidosa, criar uma atmosfera densa e ambígua, que vai revelando camadas da personagem principal até o momento final. Meio Éden é uma reflexão sobre as aparências e sobre como a dor, o amor e o ódio podem se entrelaçar de formas inesperadas. Portanto, o curta nos desafia a questionar nossas próprias interpretações e a olhar mais profundamente para o que está oculto sob a superfície.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme No Meio de Campo

Por Lucas Koury





Disputa e torcida no jogo político são reimaginadas em analogia ao futebol no documentário No Meio de Campo, trabalho de conclusão da Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza, dirigido por Vinicius Menezes.

Ao rememorar os eventos históricos das eleições presidenciais de 2022, o filme ressalta o aspecto popular da disputa política. Entre pólos opostos, uma nação precisava fazer uma escolha determinante para o seu próprio futuro. A complexidade da trama política e a seriedade do assunto desenham um retrato bem diferente do filme que assistimos. Isso não é nenhum demérito. É a prova mais evidente que o filme está firmemente enraizado na realidade brasileira.

A escolha por mesclar as narrações de jogos da copa do mundo com manifestações e eventos políticos revela as semelhanças de comportamento entre eleitores e torcedores. Essa similaridade é tão forte que a narração serve como fio condutor, conectando as mais diversas imagens de forma coesa.

No início, temos as bandeiras nas janelas e os torcedores nos bares. Com a torcida reunida, ouvimos de um lado provocações e do outro xingamentos. Apita o árbitro e os candidatos vão às cabines registrar o seu voto. Ao anunciar o segundo turno, um jogador acalma sua torcida, assegurando que só será uma prorrogação. E assim vai, com direito a retaliação do time perdedor no Palácio do Planalto.

Dessa forma, o filme não somente reúne e preserva imagens importantes, como a invasão do Palácio do Planalto e a emoção dos eleitores vitoriosos, mas imprime nelas uma narrativa envolvente capaz de alcançar o próprio público que protagoniza essa história. Durante o filme, a audiência se conecta com a realidade crua apresentada na tela. Mais do que isso, cria-se um sentimento de união na sala de cinema, onde o público ri e se emociona ao mesmo tempo.

A despeito de toda a sua qualidade, é possível confundir o documentário com uma recapitulação estilizada. A sutileza da sua crítica, outro mérito do filme, é responsável por isso. Talvez a frase de Nelson Rodrigues "No futebol, o pior cego é o que só vê a bola", que aparece no começo do filme, pode ser esquecida pelo público ao final. O sentido da frase e a sua importância no contexto se torna muito mais clara após o filme.

O cinema universitário sem dúvidas se enriquece com essa contribuição atenciosa e bem executada. A montagem pensada a partir da forma de um jogo de futebol não só eleva a crítica do filme, mas também permite a reunião de vídeos orgânicos que poderiam ser perdidos no oceano de conteúdo da internet. No Meio de Campo mostra a realidade mais crua na forma de um espetáculo.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Literatura em Mural

Por Mariana Correa




No curta documental Literatura em Mural, Klewerson Lima, que assina a direção da obra, apresenta as intermediações entre artes visuais e literatura ao registrar a concepção e execução de um mural na Universidade Federal do Pará, inspirado pela obra Flor de Gume, da escritora paraense Monique Malcher. O ponto de partida do filme é a justaposição entre o relato da autora da obra literária, que revela seus sentimentos e expectativas iniciais quanto à parceria, e o relato dos artistas convidados para a execução do mural, que articulam sobre as escolhas técnicas, conceituais e estilísticas para a obra final.

Essa pluralidade de discursos oferta ao telespectador o maior trunfo do documentário: uma percepção interessante sobre possíveis processos de tradução de uma linguagem artística para outra, já destacada nos momentos iniciais do projeto, quando Monique ressalta a importância de “sentir aquela obra e colocar ali [no produto artístico derivado] o que é seu [do artista que realiza a reinterpretação] ”. A partir desse momento, os artistas discorrem sobre quais “partes de si” ou, ao menos, das suas visões artísticas foram colocadas nas escolhas de cores e símbolos para o mural, oferecendo reflexões que, se analisadas de forma mais ampla, ultrapassam a concepção daquela obra individualmente, e se estendem a um panorama geral sobre adaptações ou criações derivadas da interpretação pessoal de outras linguagens artísticas.

Nas entrevistas, enquanto esses tensionamentos vêm à tona, mostra-se ao fundo o andamento do mural, aumentando no público a expectativa de ver o trabalho pronto. O encerramento é, portanto, a cereja do bolo porque não somente revela o resultado final das interpretações dos muralistas acerca da obra de Monique, como também ressalta mais uma camada de transtextualidade presente no filme: a da obra cinematográfica em si, que agora associa, a partir da interpretação do diretor, pedaços do texto às partes do mural de forma progressiva até, por fim, satisfazer o espectador com a revelação do mural completo. Ora mais objetiva, como quando associa a pintura de um rio às partes do texto que mencionam água, ora mais subjetivo, como quando associa a “textura rígida de um sorriso inexistente” a um coração cinzento e despedaçado sustentado por árvores, a atuação dessa terceira camada interpretativa e criativa é extremamente bem-vinda para o fortalecimento da retórica do filme.

No entanto, embora possua um discurso relevante, além de um papel social importante no que tange ao registro da história de artistas regionais, é notório que em muitos momentos a experiência do espectador é prejudicada por falhas técnicas na execução do projeto. O som da obra, por exemplo, oscila de forma muito abrupta entre o baixo e o alto, o silencioso e o musicado, de modo que fica clara a necessidade de um refinamento maior na construção sonora da obra. Além disso, a escolha de algumas imagens mal enquadradas, como quando se mostra no início, com a linha do horizonte torta, um ônibus transitando pela universidade, e de imagens superexpostas, como quando aparece um dos muralistas transportando as tintas em um carrinho, dão a impressão de que havia mais sonoras do que imagens de cobertura adequadas para complementar a obra. Desse modo, Literatura em Mural constrói uma narrativa pertinente no quesito das interdisciplinaridades artísticas, mas carece, em alguns momentos, de bases técnicas mais estruturadas, o que compromete parcialmente a experiência espectatorial.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Suposto Fim

Por Marcelo Evangelista Barros



“Suposto fim” é um curta-metragem dirigido por Gustavo Kolan, da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), que conta a história de Bete, uma garota que sonha em ser escritora. Com a frustração de não conseguir se manter com a carreira, ela acaba trabalhando em um escritório, o que desencadeia nela o vício em álcool, fazendo a personagem se afundar mais ainda nas próprias frustrações. É um drama com uma escala crescente de como a personagem principal vai se afundando no vício por não conseguir o que quer; ela vê no álcool uma válvula de escape, o que aos poucos vai destruindo sua vida pessoal e profissional, fazendo ela perder tudo ao seu redor e se perder até dela mesma.

O curta é muito bem estruturado e possui diálogos muito bem escritos, até mesmo quando precisam ser expositivos, quando vemos a personagem começando a ficar diferente por causa do vício. As passagens dela bebendo e passando mal e voltando a beber novamente não se tornam cansativas com as repetições. Porém, com uma montagem que parece um videoclipe, o tom mais sombrio que o curta constrói na sua primeira parte se perde. Com um silêncio e até mesmo um desconforto da protagonista, o uso desse “momento videoclipe” para mostrar uma passagem de tempo abrupta e pouca trabalhada, tira toda o clima de tensão, já deixando a personagem totalmente diferente em segundos, e o que vemos a seguir é como ela vai perdendo tudo que foi estabelecido na primeira parte. As únicas cena de dramas mais isolados que somam de forma mais significativa para a história são as interações com o namorado e principalmente o embate, em cenas mais longas, onde vamos descobrindo mais sobre a Bete. Já as cenas com o barman parecem meio jogadas, como se ela precisasse ter alguma relação com ele para conseguir álcool, sendo que a personagem poderia ir para outros bares também, o que parece uma relação forçada e que se não tivesse no corte final, não faria diferença alguma para a história

No geral, é um filme com uma temática muito interessante que possui um primeiro ato muito bom, mas que se perde às vezes na própria trama, com personagens que não adicionam muito à história ocupando espaço, e que poderiam ser cenas substituídas para mostrar a protagonista ficando cada vez mais decadente ao decorrer da história. É um filme com uma produção muito boa, que possui um trabalho de arte, som, e fotografia muito admiráveis, já as atuações deixam a desejar em diversas passagens, entregando mais verdade nas cenas finais de embates. E também é um filme bem dirigido, em que é notável o conhecimento por diferentes técnicas que transitam por gêneros diferentes em passagens isoladas, indo de uma atmosfera que parece ser de um filme de terror nas cenas iniciais, e entregando um drama no seu decorrer, que poderia ser mais pesado, tendo em vista sua temática.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Eric e Hemily

Por Lucas Figueiredo


Eric é um jovem com gostos bem particulares: gosta de flores amarelas, carteiras decoradas, cadarços coloridos, livros de arquitetura, óculos de grau, cubo mágico e Roberto Carlos. Hemilly também tem seus próprios gostos: coleciona parafusos, gosta de tirar fotos de pombos e usa sandália com meias. Através de recortes da individualidade dos dois, acompanhamos um relacionamento romântico se desenvolver. Essa é a sinopse de “Eric e Hemilly”, de Ricardo Adham, um filme realizado pela Faculdade de Cinema e Audiovisual de Juiz de Fora, e que apresenta uma visão bem interessante sobre o romance e as desilusões amorosas nessa fase da vida.

A princípio, o filme nos apresenta os dois personagens de forma separada. Primeiro conhecemos Eric e seus gostos e costumes, que são totalmente diferentes dos gostos de Hemilly. Os dois se esbarram de maneira bem inusitada em uma loja de discos, e logo uma conexão é feita. A maneira como as peculiaridades de cada personagem é apresentada é muito interessante, pois é tudo contado de maneira metódica e didática: os hobbies de Eric e a rotina de Hemilly, por exemplo, são narrados como se estivéssemos lendo um bloco de notas, seguindo as regras sem brechas para algo inovador ou diferente, e é nesse ponto que o filme começa sua principal abordagem.

Como dois personagens diferentes podem se conectar? Hemilly parece ser bem mais desenvolta socialmente que Eric, que aparenta ser bem mais tímido. Hemilly é quem puxa conversa com Eric, enquanto ele está apenas divagando, com respostas curtas. E mesmo os dois sendo bem diferentes, eles ainda tentam algo que é totalmente novo para ambos.

A fotografia e a direção de arte são pontos muito positivos, pois conseguem criar uma atmosfera fantástica somada à narração. A câmera, quase sempre estática, apresenta os personagens e suas particularidades como em um mundo criado por Wes Anderson, tudo quase que milimetricamente posicionado e encaixado da maneira certa para compor o quadro. A arte acerta também levando em consideração esses mesmos aspectos, os objetos que representam cada personagem são muito pessoais e característico deles, e diferenciam muito bem os dois. 

Como um diretor jovem e universitário, Ricardo Adham deixa bem evidente onde buscou suas inspirações para fazer a obra, e consegue criar uma história sobre primeiro amor, e uma possível desilusão amorosa resultante desse encontro, bem eficiente e singela, sem grandes artifícios ou reviravoltas. O fato de Eric e Hemilly irem embora, com olhares rápidos e tristes, como uma despedida, evidencia essa temática e abordagem. O diretor aposta no simples, sem deixar de ser comunicativo, em uma fotografia sem movimentos e uma arte que cria universos particulares para cada personagem.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme A Colecionadora

Por Kalel Pessoa



A Colecionadora é um curta-metragem de cinco minutos que explora a obsessão por moda e identidade por meio de uma narrativa simbólica e visualmente impactante. Dirigido por Rafaela Turkowski, o filme conta a história de uma jovem com aparência semelhante a uma boneca de porcelana, que busca capturar a essência da moda das pessoas que passam em frente à sua casa.

O curta levanta questões pertinentes sobre a ausência de identidade pessoal e a obsessão por apropriar-se do que é alheio para preencher lacunas internas. A protagonista, uma figura oca simbolicamente representada pela estética de boneca, reflete a dificuldade de estabelecer uma personalidade genuína dentro de uma existência que não tem pertencimento. O filme sugere que o vazio existencial pode levar à inveja, ao desejo de possuir aquilo que simboliza autenticidade, e, eventualmente, à destruição. Em um nível mais profundo, A Colecionadora parece discutir até que ponto a busca por inspiração pode ultrapassar limites éticos, uma reflexão pertinente na era das redes sociais, onde a curadoria de aparências muitas vezes oculta uma falta de uma personalidade única.

A direção de arte é, sem dúvida, o ponto alto do filme. A maquiagem e o figurino da protagonista contribuem significativamente para a construção de sua identidade visual como uma boneca de porcelana – uma escolha simbólica que integra também a temática de alguém vazia querendo buscar preenchimento em sua existência –, e os detalhes do cenário reforçam a estética minimalista com enfoque maior na personagem. A escolha de emular o visual de filmes da década de 1920, com referências a clássicos como A Caixa de Pandora, é particularmente eficaz na criação de uma atmosfera expressionista.

Apesar das qualidades visuais, o curta apresenta alguns desafios em sua execução. A montagem e a finalização deixam a desejar em criar um ritmo que amplifique o suspense, crucial para o impacto emocional da história. Em diversos momentos, a narrativa carece de um senso mais apurado de tensão, o que prejudica o envolvimento do espectador.

O plot-twist, embora conceitualmente interessante, é revelado de forma previsível. O roteiro poderia investir mais em sutilezas, criando pistas que desafiem o público a conectar os pontos, ao invés de entregar a solução de forma antecipada. Por fim, embora a fotografia seja competente em criar uma espécie de um noir, ela poderia explorar texturas e ângulos mais inventivos para reforçar o impacto expressionista e elevar a experiência visual.

A Colecionadora é uma contribuição promissora para o cinema universitário, demonstrando um olhar apurado para a direção de arte e um esforço notável em evocar uma atmosfera de suspense através da fotografia, no entanto, poderia beneficiar-se de um ritmo mais envolvente e de uma execução mais refinada do plot-twist. Apesar dessas observações da técnica, a temática apresentada é abordada de uma maneira inteligente e até profunda, partindo de uma análise mais afiada e propondo uma reflexão interessante sobre a inveja e a apropriação.

Para futuros projetos, a cineasta poderia explorar uma integração mais orgânica entre narrativa e estética, maximizando o potencial emocional e intelectual de suas histórias. Para o público, A Colecionadora oferece uma experiência visual interessante, embora limitada em sua capacidade de surpreender.


Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Cartas de Sangue

 Por Heric Ferreira

O curta - metragem "Cartas de Sangue" foi escrito e dirigido por Lucas da Conceição no ano de 2023 e filmado em Belém e Ananindeua, no Pará, com algumas locações feitas na UFPA, onde o autor também é estudante. Trata-se de uma história que se passa no período atual, mas nutre um elemento antigo que guia a narrativa, talvez iniciado na era da idade média, o ato de se comunicar por cartas dentro de garrafas jogadas no lago pelo protagonista, o jovem Miguel.

No decorrer da obra, acompanhamos como o protagonista dedica bastante tempo a essa ação, seja escrevendo a carta em seu quarto, na elipse dele se deslocando ao portal de comunicação e no próprio lago ao aguardo da resposta do remetente, sempre refletindo de forma ansiosa e deprimida. Há um bom uso de planos em que pode-se ter uma noção do cotidiano do personagem e também uma quebra da temporalidade no momento em que deixa cair a garrafa e se abaixa para pegá-la, simulando uma passagem linear do tempo. Vê-se uma ótima feitura de efeitos como no gradual derramamento de sangue na carta de acordo com o estágio de emoção de Miguel, assim como no uso da música que funciona como um artifício para gerar expectativa e tensão. Essa boa correlação dos elementos é o que garante a ótima montagem de “Cartas de Sangue”, principalmente na primeira metade do curta, aliado paulatinamente à interpretação dos atores que não se preocupam em oferecer grandes averbações, culminando num desenrolar apático e moroso combinando com a obra.

Pode-se pensar que uma das questões do filme é a falta de um tema que o encadeie e feche o ciclo e isso é sentido na metade final, onde o ritmo torna-se por vezes demasiado lento e sem um clímax. Isso não prejudica a execução, no entanto alguns podem ver como uma quebra da promessa que foi criada através do suspense da música e do roteiro. O curta-metragem pode pender para uma história de situação e até um tanto batido como na interpretação de personagens que existem somente na mente do protagonista, muitas vezes visto no cinema.

Acertadamente, “Cartas de Sangue” oferece um perfeito exercício de nossos tempos atuais em que a falta de comunicação impera e cada uma das pessoas tenta reverter isso de variadas formas e nem sempre da melhor maneira. Vejo que serve como um alerta para uma época de solidão e incomunicabilidade onde as relações são prejudicadas. O público pode esperar uma vertente de uma história psíquica sobre a esquizofrenia, porém, que não é focada na condição em si, mas sim num conjunto social do protagonista que nasceu desnaturado e impróprio.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Partilha

Por Stephanie Nascimento



Com direção de de Louise di Fátima, Partilha é um documentário que fala sobre performance de uma forma atravessa a câmera, você sente o aconchego. É sobre família, sobre arte, sobre dança. O documentário Partilha apresenta uma narrativa sensível e inspiradora, sobre como a dança transcende barreiras e gera conexões profundas, tanto entre pessoas quanto entre formas de arte. Ele explora a história de uma mãe que encontrou na dança não apenas uma paixão, mas um meio de transformação pessoal, criando um elo singular com suas filhas.

Um dos pontos mais marcantes do documentário é como ele aborda a relação com a herança artística. Duas filhas seguiram os passos da mãe na dança, simbolizando e dando continuidade a expressão artística como forma de identidade e autoconhecimento. Elas se sentem plenamente completas em cima do palco. Já Louise, seguindo outro caminho, no cinema, encontra uma forma de partilhar a mesma arte, adicionando uma camada de profundidade à narrativa.

Embora ela tenha se afastado da prática da dança, o documentário revela que sua conexão com essa arte ainda é intensa, só que mediada por outra linguagem artística: o cinema. A dança não se limita ao corpo dos dançarinos, ela se expande para a câmera que dança junto, conforme a coreografia. Os movimentos de câmera, alternando entre planos fechados, focando no rosto, e planos abertos, criam uma narrativa visual que amplifica as emoções transmitidas pelos gestos corporais. Essa escolha reflete como a dança não precisa ser limitada a um único formato para ser significativa, e como ela pode se transformar e se adaptar às experiências individuais.

A produção também se destaca ao abordar a interseção entre a dança e o cinema. A trilha sonora é extensão da coreografia, e os silêncios entre o som e a imagem eleva a experiência sensorial do espectador. A montagem do documentário segue um ritmo próprio, em que os cortes precisos criam uma coreografia, principalmente pelo uso das cores, como o vermelho que é bem evidenciado, como se cada transição fosse uma extensão do movimento. A maneira como a filha combina as duas linguagens no documentário exemplifica como ambas podem dialogar, até mesmo em relação ao cinegrafista ou câmera que dança também na performance juntos com as bailarinas.

Partilha me fez lembrar da minha irmã Thais, que é bailarina, assim como a mãe de Louise. Lembro-me dos espetáculos em que eu a filmava, dos frames que eu mostrava para ela e na felicidade dela ao ver que eu peguei um momento especial da dança. Em resumo, Partilha não é apenas um documentário sobre videodança, ou como Louise menciona, coreodança, mas sobre o poder da arte como meio de conexão e transformação. Ele demonstra como a expressão artística pode atravessar gerações, revelando que, no fundo, criar é sempre um ato de partilhar.


Cobertura do 8º Toró - Filme Me Ame Como É Pra Amar (Crítica 2)

Por Thiffany Martins


Me Ame Como é Pra Amar é um curta-metragem roteirizado e dirigido por Lucas Blanco, e produzido pela Infinita Produções, como projeto de trabalho de conclusão do curso de Cinema e Audiovisual da UFPA. O filme conta a história de Nicolas, um garoto que, após a perda da mãe, enfrenta dificuldades ao ter sua sexualidade descoberta pelo pai, que o rejeita. O filme trabalha a temática LGBTQ+ de forma sensível e naturalista, onde este naturalismo é construído no cotidiano de Nicolas. A partir da subjetividade do protagonista, aliada às memórias retratadas em flashbacks, entendemos o que o filme propõe-se a refletir: as diferentes e individuais formas de amar, e como a sexualidade, ainda que um tema amplamente discutido, encontra dificuldades para ser normalizado em uma sociedade enraizada nos valores do conservadorismo. Essa reflexão começa a ser desenvolvida logo no início do filme, onde as imagens dos pais dançando e momentos felizes da família são conduzidas pela narração subjetiva de Nico, o qual se questiona sobre o objetivo do ato de amar - e se é justo o destino fadado a esses amores.

Um aspecto bem trabalhado e desenvolvido no filme é a relação de Nico com seus amigos Júlia e Felipe. Um exemplo desse bom desenvolvimento são as duas cenas em que Nico desabafa com cada um. Estas cenas são gravadas na mesma locação e com um plano semelhante, o que caracteriza o local como tradicional entre o trio. Essa relação é construída como o aspecto mais estável na vida de Nico.

O filme também se destaca pela pós-produção, especialmente na montagem e colorização. Na montagem, encontra-se sentido nas escolhas dos momentos de narração e flashback, que são alternados ao desenvolvimento da história. Nada é demais e nada é de menos, o saudosismo é construído ao passo que é transmitido para o público de forma clara. Essa alternância também é complementada pela colorização, na qual as memórias possuem tons quentes enquanto a história presente é conduzida pelos tons de azul e roxo, que adicionam o toque de melancolia que é pedido pela narrativa.

Apesar de majoritariamente se destacar pela sua montagem, há algumas falhas em relação à mixagem de som e escolha de planos. Um exemplo de cena que possui estas falhas destacadas é no momento em que Nico confronta o pai.

Nesta cena, sente-se a falta de um plano fechado antes de Nico se aproximar do pai. Seria necessário um cuidado maior para esse momento, tendo em vista que é o ponto de clímax do curta, onde Nico revela os seus sentimentos para o pai, deixando exposto algo que, até então, era íntimo apenas para o público.
 
Me Ame Como é Pra Amar convida o público a refletir questões de luto, empatia, amizade e amor. O cinema universitário é marcado por histórias que refletem a infância e questões familiares - os famosos childhoods. Nesse sentido, a obra busca ter um resultado maduro dentro deste formato. A direção não mede esforços para que os diálogos e ações mostrem a realidade do lar de diversos jovens que precisam diminuir a sua essência para caber na perspectiva dos pais. A obra encerra na mesma linha de reflexão que inicia: como a rejeição pode gerar a dificuldade em sentir o amor, seja ele o próprio, seja ele o romântico. É inegável que há aspectos técnicos e estilísticos que precisam ser refinados. Porém, a necessidade dessas melhorias não diminui a relevância do filme para a sociedade e para o cinema universitário, que deve buscar a mesma maturidade que Lucas Blanco retratou em sua obra.

Cobertura do 8º Toró - Filme Me Ame Como É Pra Amar (Crítica 1)

Por Kian Zwicker



Entre o Amor e a Ausência

Me Ame Como É Pra Amar, curta-metragem dirigido e escrito por Lucas Blanco, aborda de forma íntima e sensível as diversas formas de amor. Lucas, egresso do curso de Cinema e Audiovisual da UFPA, constrói uma narrativa que explora os desafios da aceitação e os impactos do luto dentro de uma família. A trama acompanha Nicolas, um jovem que, após a morte de sua mãe, tenta lidar com a rejeição do pai ao descobrir sua homossexualidade. Em paralelo, o filme toca em outras camadas emocionais, como a busca de Nicolas por afeto e o reflexo da ausência de amor paterno em seus relacionamentos.

O curta não foge de temáticas que, apesar de universais, ainda encontram resistência em muitos espaços. A relação conflituosa entre Nicolas e o pai reflete o preconceito presente em muitas famílias e questiona os limites do amor paternal. Afinal, até onde vai a ignorância de quem, ao invés de apoiar, acaba afastando quem ama? Por que um pai que se diz amoroso vira as costas ao descobrir algo tão essencial sobre o filho? Além disso, o curta articula a interseção entre luto e preconceito, sugerindo que, sem a mãe - a ponte afetiva entre pai e filho -, o relacionamento entre os dois entra em colapso.

Esses conflitos não são apenas familiares, mas sociais. O filme também aponta como a ausência de aceitação pode moldar a maneira como alguém enxerga e vive o amor em outras relações. Ao conectar luto, preconceito e vulnerabilidade, Me Ame Como É Pra Amar convida o espectador a refletir sobre o impacto emocional dessas questões em quem apenas busca ser aceito.

O maior mérito do filme está na escolha de um tema tão necessário e no impacto que ele gera ao ser exibido em eventos como a Mostra Audiovisual LGBTQIAPN+ do Amazônia em Rede. A exibição em espaços como a Usina da Paz Jurunas/Condor é um exemplo de como o cinema pode quebrar bolhas e dialogar com públicos mais amplos, gerando empatia e questionamentos.

A iniciativa das Usinas da Paz, promovida pelo governo para democratizar o acesso à cultura e ao entretenimento a bairros periféricos e de perfil mais familiar, amplia ainda mais o alcance do filme. Ao ser exibido nesse espaço, Me Ame Como É Pra Amar alcança espectadores que, talvez, não estivessem acostumados a consumir narrativas LGBTQIAPN+. Essa oportunidade de contato com novas perspectivas é fundamental para criar um diálogo mais diverso e inclusivo.

Uma das cenas mais fortes do curta é o diálogo em que Nicolas se assume para o pai. Simples nas palavras, mas intensa na carga emocional, a cena encapsula o conflito central do filme. A frase “Eu não vou mudar, pai. Eu sou gay! E eu preciso do meu pai de volta.” sintetiza não apenas a dor de Nicolas, mas também a realidade de tantas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+. É um momento que, mesmo curto, ecoa muito além da tela, tocando quem já viveu algo semelhante ou quem, talvez, precise repensar suas próprias posturas.

Por outro lado, é na parte técnica que o filme encontra alguns tropeços. A trilha sonora, embora mereça elogios por ser inteiramente autoral, apresenta momentos de desconexão. O curta utiliza diversas músicas ao longo de sua duração, mas, por vezes, parece não haver tempo suficiente para que todas elas se encaixem naturalmente na narrativa. Isso resulta em transições abruptas, que podem tirar o espectador da imersão.

A colorização também apresenta problemas, especialmente na transição entre as cenas que retratam o período em que a mãe está viva e o momento após sua morte. O uso de tons quentes para simbolizar vida e conforto fica exagerado, quase caricato, enquanto os tons frios funcionam melhor, mas poderiam ser trabalhados com mais sutileza.

Outro detalhe técnico que chama atenção está na cena inicial, quando os pais de Nicolas dançam na cozinha. Os feixes de luz, que deveriam criar uma atmosfera acolhedora, acabam parecendo efeitos mal aplicados, tirando um pouco da naturalidade do momento.

Além disso, embora alguns diálogos sejam extremamente marcantes e carreguem um peso emocional significativo, a maioria deles soa estranha na execução. Existe uma falta de naturalidade, como se esses diálogos funcionassem melhor no papel do que na fala e atuação. Isso provoca uma sensação de artificialidade, que em certos momentos quebra a imersão do espectador na narrativa. Esses problemas, apesar de não comprometerem completamente o filme, mostram que há espaço para amadurecimento técnico e refinamento na direção de atores e na adaptação do texto para a tela.

Me Ame Como É Pra Amar é um filme que se destaca por sua coragem e relevância. Lucas Blanco entrega uma obra que dialoga diretamente com as dores e desafios da comunidade LGBTQIAPN+, mostrando como o cinema universitário pode abordar temas urgentes e promover diálogos transformadores.

Ao se inserir em um contexto tão importante como o da representatividade no audiovisual, o filme cumpre seu papel social ao alcançar públicos diversos e fomentar a empatia. Para quem assiste, a história de Nicolas é um convite a refletir sobre as complexidades do amor e as consequências do preconceito. Para o cineasta, o curta evidencia um grande potencial narrativo, mas aponta a necessidade de um maior cuidado técnico. Mesmo com seus aspectos a refinar, o curta demonstra que o cinema não precisa ser impecável para emocionar. Pelo contrário, são as vulnerabilidades da produção, e dos próprios personagens, que tornam Me Ame Como É Pra Amar uma experiência tão sincera e humana. É um trabalho que merece reconhecimento e que deixa claro o papel do cinema universitário como espaço de resistência, reflexão e transformação.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Busco-me

Por Lyandra Farias



"Busco-me", um curta-metragem dirigido e produzido por Felipe Chiaretti, Maria Camila Ortiz, Santiago Mendez e Suelen Rodrigues — alunos da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) —, conta a história de Luiza, uma senhora com os primeiros sintomas do Alzheimer, buscando guardar suas memórias através da escrita de textos em um terminal de ônibus.

O drama demonstra um cuidado e sensibilidade, situando o público sobre o tema proposto logo nas primeiras cenas, em que vemos inserts de post-its com anotações de cada objeto, até mesmo o nome de sua neta, algo que, ao meu ver, trouxe um peso ainda maior para a cena, sendo uma forma de lembrete para a protagonista. Além disso, é interessante o modo como a trama desenvolve o tema através das cores, o azul e o verde principalmente. O azul remete muito à água do rio em que contém as principais memórias de Luiza e Nina; já o verde surge em imagens de floresta. Ambas as cores trazem a calmaria, imprevisibilidade, solidão, entre outras coisas para a história, sendo mostradas também no figurino das personagens e nos ambientes por meio da iluminação e objetos de cena. Vemos os tons mais quentes nas cenas mais atuais e tons mais frios nas cenas de lapsos de memórias. Em conjunto, a trilha sonora traz um contraste de leveza, calmaria e transmite um sentimento de um personagem que se esforça para não esquecer o melhor de si, algo que me fez perceber a escolha do título, o fio invisível — seus textos e histórias — em que a personagem se agarra para lembrar.

Ao assisti-lo pela primeira vez, sem ler a sua sinopse, senti que o tempo do filme era um tanto demorado, porém ao revê-lo entendi as nuances e detalhes dispostos na tela, de forma que cada detalhe contribuiu para sua formação.

Para concluir, os alunos trazem um tema muito interessante e atual de uma forma delicada e sensível, que nos leva a refletir e talvez compreender um pouco mais sobre o assunto, que vem sendo pouco abordado nas obras audiovisuais.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme De Todas as Cores da Cidade, Amarela é a Minha Favorita

Por Mauro Sidney Mendes da Cruz Júnior



O curta-metragem De Todas as Cores da Cidade, Amarela é a Minha Favorita, com 24 minutos de duração, é ambientado na cidade de São Paulo e apresenta a complexidade de uma "típica" família nippo-brasileira, marcada pela postura conservadora dos mais velhos.

A trama gira em torno de Maya, uma jovem profundamente abalada pelo luto após a perda inesperada de seu irmão. Devastada pela dor, ela ainda precisa lidar com a difícil convivência e a falta de comunicação com sua avó, uma figura que, aparentemente, desaprova relacionamento amoroso com pessoas fora da comunidade descendente. Esse conflito fica evidente por conta de Maya evitar o encontro de seus familiares com seu namorado, um rapaz negro, para que não houvesse conflitos que deixassem sua convivência mais conturbada.

O curta aborda com delicadeza temas como tradição, religiosidade e choque cultural, retratando a relação entre Maya e seu namorado como um ponto de contraste e enriquecimento mútuo. Um dos aspectos mais interessantes do filme é a abordagem da espiritualidade, tanto da parte de Maya quanto de seu parceiro. Enquanto ela mantém o butsudan (altar budista dedicado aos falecidos), ele possui um altar de uma religião de matriz africana, simbolizando as diferenças culturais entre os dois. Uma cena marcante é quando ele explica como, em sua religião, a passagem de um ente querido é celebrada com música e alegria, criando um contraponto com o tom mais introspectivo e contido das tradições de Maya.

A identidade nippo-brasileira da protagonista é revelada de maneira sutil, sem exposições explícitas, mas por meio de elementos visuais e narrativos, como o teruteru bouzu (boneco de papel pendurado para pedir o fim da chuva), o butsudan e os diálogos em japonês misturados ao português da avó típico de pessoas de comunidade japonesa, chamado “koroniago” (língua da colônia). Essa abordagem confere autenticidade ao retrato cultural e reforça o conflito geracional entre Maya e sua família.

Outro ponto forte do filme é a leveza com que os elementos culturais e familiares são apresentados, permitindo que mesmo espectadores sem familiaridade com as culturas japonesas se conectem com a história. Essa naturalidade torna o curta acessível, ao mesmo tempo que promove um diálogo sobre diferenças e pontos de convergência entre culturas e religiões.

Ao explorar temas como luto, tradição, conflito geracional e diversidade cultural, De Todas as Cores da Cidade, Amarela é a Minha Favorita oferece um retrato sensível e profundo de uma família em busca de reconexão. O filme não apenas se destaca pela autenticidade de sua representação cultural, mas também pela universalidade de suas emoções, que transcendem barreiras e convidam o público a refletir sobre os próprios vínculos familiares e sociais.

Além da fotografia, que contribui significativamente para a autenticidade visual do curta, criando uma experiência imersiva por meio de planos envolventes e bem compostos, há outros elementos a serem destacados.

No entanto, em relação aos diálogos, percebi que, em alguns momentos, faltou uma naturalidade maior, o que poderia ter aproximado ainda mais os personagens do espectador. Embora cumpram sua função narrativa, esses trechos poderiam ser trabalhados de forma a refletir de maneira mais fluida as interações do cotidiano, tornando a experiência ainda mais cativante e verossímil.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Churrasco Normal Para Pessoas Normais (Com Carnes Ao Ponto)

Por Felipe Adriel Lima



De primeira, o título do filme me chamou a atenção, um conjunto de palavras simples, mas mirabolantes: O que seria a normalidade? E por que frisar o ponto da carne? Este é o primeiro curta da produtora “Filmes do Bueiro”, um coletivo de cinema independente formado por alunos do curso de audiovisual do SENAC de Santo Amaro (São Paulo). O projeto é encabeçado (dirigido, escrito e editado) por Matheus Meira que se descreve como fã número 1 do bizarro e do caótico, e tais palavras são exatamente a forma como o filme vem a responder às perguntas formuladas no início do texto.

O filme é um recorte caótico de algo que já se tornou cultural para todo o brasileiro, um churrasco no fim de semana. Pedro é nosso protagonista e guia no desenrolar do evento, ele nos declama em atos/partes qual o passo a passo para se ter um churrasco ideal. De maneira ritualística e contemplativa, ele nos apresenta sua motivação, a estranha relação com a churrasqueira e a obsessão pelo vazio inerente que rodeia o ser humano. Junto dele estão seus convidados que de normais não possuem nada, todos parecem partilhar da mesma fascinação de Pedro por esse evento, quanto mais acompanhamos a esquizofrênica relação deles, mais nos aprofundamos no segredo por trás do ponto da carne.

Apesar de ser estranhamente dramático e cheio de suspense, o filme na verdade é uma comédia, isso fica claro ao final do primeiro ato, em que o humor é escancarado e passa a comandar o restante do filme. O tipo de humor aqui é o “Poop”, bastante popularizado entre os jovens e altamente disseminado pela internet, mais especificamente em redes sociais como Youtube e Facebook, facilmente identificáveis pela sua edição caótica e propositalmente mal feita, com a finalidade de evocar o humor pelo imperfeito e o nonsense, a meu ver uma modernização da linguagem do teatro de Monty Python.

A quebra de expectativa do filme é muito bem-vinda, o cinema experimental possui uma liberdade muito grande para se brincar com o que tem em tela, acredito que essa tenha sido a intenção de Matheus Meira na concepção desse filme, abraçar símbolos comuns no cinema experimental e fundi-los com seu humor particular e jovial, acerca dos também símbolos da cultura brasileira, em particular o churrasco. O jeito que os personagens habilmente se comportam gera um conflito com o “normais” do título, este contraste possibilita que a entrega das “piadas” seja de forma precisa. Um aceno para o domínio técnico da montagem que simula com precisão a estética que a narrativa pede ora para humor e ora para suspense, de fato como título diz a “carne” aqui está “ao ponto”.

Ainda sim deve ser pontuado que muito do que o filme tem de positivo, ele também possui de negativo. Ele constrói o humor com reviravoltas ácidas, no entanto no último ato, toda ambientação, ritmo e narrativa que foi construída é abandonada de vez, acarretando numa finalização limpa, indo de contramão em tudo que o filme propusera. É meio decepcionante ver o caminho mais fácil sendo tomado em tela, uma vez que grande parte do filme foi investida naquele universo. Tanto é abandonado que até as atuações são enfraquecidas, não que estivéssemos falando de atuações cheias de vida e técnica, mas elas eram condizentes com a proposta.

Outra coisa é a decisão pela estética analógica, algo que remete a uma ideia mais anos 2000, o que não casa com ambientação e temporalidade moderna apresentadas, mas acredito que não foram atentados na questão da arte e produção trabalharem em conjunto para que o todo fosse mais coerente. É compreensível quando se põe em jogo o caráter independente do filme e sua proposta, mas eles utilizaram um Palio Fire 2002 na gravação, talvez mais esmeros para acertar esses detalhes iriam colaborar para a diegese da obra.

Apesar de tudo existe uma precisão na compreensão e utilização de linguagem, tanto do cinema quanto de humor que por mais que o amadorismo seja extremamente característico, é recompensante ver o resultado do filme, que de forma criativa e única faz com que o curta não se torne simplesmente um vídeo poop e sim se firme como obra audiovisual. Fico ansioso para acompanhar os próximos lançamentos da “Bueiro” e os novos sabores que podem vir a se apresentar no futuro.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Loja de Bonecos

Por Lucas Ney de Parijós



O filme Loja de Bonecos retrata um personagem que vai até a loja do diabo encomendar uma carranca para espantar seu vizinho "insuportável". Lá, o diabo se lamenta sobre não ter mais a criatividade de antes.

A comédia tem uma longa tradição de usar linguagens regionais para gerar identificação ou contraste, mas, em contextos como esse, ela também corre o risco de passar uma mensagem involuntária de que o modo de falar de uma comunidade é "engraçado" por si só. Para quem pertence àquela cultura, pode ser uma representação afetuosa, mas, para quem está de fora, pode soar como uma forma de exotificação ou desrespeito. É aquela linha tênue entre rir com uma cultura e rir da cultura.

Além disso, usar o dialeto como o principal veículo cômico pode limitar a complexidade da narrativa. Se o humor se apóia excessivamente na maneira como os personagens falam, ele perde a chance de construir camadas mais profundas, seja no texto ou na própria situação cômica. Isso não quer dizer que o dialeto não possa ser usado, mas que ele deve ser integrado de uma forma que vá além do estereótipo ou do recurso fácil.

No caso específico de Loja de Bonecos, o filme também se concentra em piadas locais, como a referência ao "fechar a Almirante". Isso, combinado ao uso do dialeto, cria uma barreira de entrada para quem não é de Belém. Então, temos uma combinação que não só limita o alcance da obra, mas também abre espaço para debates sobre como a cultura local é apresentada: como um reflexo autêntico ou como algo que reforça clichês para gerar humor.

O diálogo e o build-up são interessantes, apesar de depois ficarem um tanto repetitivos, com uma cadência estranha. Porém, a punch-line é bem entregue no final, com o protagonista citando o nome de "Deus", causando a explosão do diabo.

A atuação é extremamente teatral. Eu, particularmente, gostei desse estilo para os bonecos, porém acho que poderia ter sido feito algum efeito na voz do protagonista para deixá-la mais acreditável, tal como a do diabo.

Como um filme experimental, senti que faltou ousadia na exploração do formato. A história tem potencial, mas visualmente e narrativamente o filme não se arrisca. Não há muitos experimentos na escolha de luz, enquadramentos ou estrutura, o que é uma oportunidade perdida, considerando que também é um projeto de cenografia. A expectativa era ver algo mais criativo no uso do espaço, algo que realmente aproveitasse o cenário como parte da narrativa.

Quero deixar claro que estou analisando o filme como uma obra cinematográfica, sem levar em conta possíveis usos como peça teatral ou instalação artística. Dentro dessa perspectiva, é importante que um filme experimental explore mais as possibilidades do meio, seja no visual, na montagem ou na forma de contar a história. Aqui, a abordagem é mais convencional do que se espera para um trabalho que se propõe experimental.

Mesmo assim, o filme funciona como comédia. É divertido, tem bons momentos e entrega o que promete nesse sentido. Mas considerando o conceito e a proposta de ser algo experimental, dava para ir muito além e explorar ideias mais inovadoras.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Círculo Ativo

Por Arthur Machado


A abordagem artística de Círculo Ativo é experimentar com efeitos de vídeo e sobreposições sobre fotografias tiradas na Ilha do Marajó enquanto uma trilha e efeitos sonoros dividem espaço ao fundo. A principal sensação causada pelo conjunto de elementos é de um mistério ameaçador, quase alienígena com a escolha de sons sintetizados.

O curta divide seus oito minutos e trinta segundos em blocos menores de experimentação marcados pela foto base para as distorções. Apesar de não haver tanta variedade de fotos, o ritmo das distorções em conjunto com a sonoplastia trabalham bem para não deixar com que a duração se torne cansativa.

Existe claramente um ponto focal semi narrativo no curta, o princípio do “Círculo” que aparece de maneiras diferentes durante as distorções. Seja como uma forma oval de aspecto gigante que toma conta de um dos cenários, uma árvore seca se deformando em uma espiral distorcida ou manchas de película queimada em forma circular.

Mesmo sendo um curta experimental, que não depende de convenções de montagem e coesão clássicas, a sensação é de que o curta poderia se favorecer por uma ligação mais direta entre as fotografias, ou com uma presença mais lúdica e narrativa dos ‘círculos’. A atmosfera tensa de suspense causa curiosidade para o que pode vir a seguir, que é recompensada com uma expectativa crescente e intrigante.

O maior mérito do curta é provocar a função instintiva da mente de criar correlações entre estímulos e tentar construir uma sequência lógica a partir disso. As fotos enigmáticas em conjunto com a canção alienígena - interrompida por desconfortáveis silêncios - já criam uma atmosfera que conduz o espectador pela duração sem dificuldade. E as intervenções da edição servem como uma recompensa, uma forma de visualizar algo novo que não seria apresentado em uma obra tradicional.

O curta é agradável ao que se propõe, um enigma narrativo e um convite à abstração que provoca o espectador a preencher as lacunas narrativas com interpretações pessoais. Ainda que pudesse se beneficiar de maior coesão, o curta atinge seu objetivo de oferecer uma experiência que foge ao tradicional, premiando a curiosidade com momentos de um sensorial exótico.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Esse Navio Vai Afundar

Por Rennan Braga



O curta experimental Esse Navio Vai Afundar, lançado em 2024 pelo diretor universitário paranaense Luc da Silveira, narra a história de um casamento que, antes mesmo de acontecer, já estava destinado ao fracasso. A narrativa é apresentada por meio de gravações em super 8, que, combinadas com a trilha sonora, transmitem a sensação de que algo não está certo naquela cerimônia e traz pro público uma experiência que vai ser difícil de esquecer.

Em seus seis minutos o curta conta a história de um casamento entre sons e frames tremidos para ilustrar para o público a verdade que não estava sendo contada desde o início entre os noivos, a mentira e a infidelidade por um deles. Utilizando o gênero do experimental, o diretor conseguiu não apenas contar a história narrativa, mas criar uma experiência sinestésica que envolve e aproxima o público desde a primeira cena em que nos mostra o início da cerimônia com cores estouradas e o rosto dos participantes borrados para trazer o aspecto de estranhamento que vai caminhar por toda a duração do curta, o que lembra os curtas do David Lynch por ele dar prioridade para a experiência em vez da história em si.

Nos minutos finais o curta traz uma sequência de repetições sonoras, com sons de estalos como se fosse um relógio misturado com sons de água, e visuais, com a imagem da noiva que se repete, o que nos leva à cena em preto e branco do curta que mostra a mesma sequência inicial da noiva chegando no altar. Mas, dessa vez, ao contrário, é como se o curta estivesse dando uma oportunidade para que os acontecimentos do casamento até seu final fossem anulados e que houvesse felicidade para os personagens.

O conceito do curta ser em super 8 é outro ponto a ser comentado, pois traz o clima de nostalgia que é muito usado para compor essa imagem de felicidade que não volta mais. No curta, a felicidade nunca chegou. Quando o diretor mescla essas imagens com efeitos em 3D que aparecem algumas vezes no curta, piscando na tela e em formatos circulares como bolhas, elas parecem ficar perdidas na história e no conceito da nostalgia que foi criada no decorrer do curta.Como um curta experimental, Esse Navio Vai Afundar se destaca por sua ousadia e originalidade, oferecendo uma proposta que, embora possa parecer desconcertante no início pela sua montagem e edição, cativa o público com imagens estranhas e únicas, com suas cores fortes e com granulados antigos que vão trazer uma forte sensação de nostalgia que se misturará com a singularidade da forma que a história está sendo contada.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Aurora Frugum

Por Paulo Oliveira



O curta-metragem Aurora Frugum apresenta um retrato de duas gerações, explorando a diferença entre uma vida baseada na simplicidade e a conexão com a natureza e outra marcada pelo consumo exagerado de produtos artificiais e a desconexão do mundo natural.

A narrativa se concentra em dois homens: o agricultor mais velho, um homem que vive de forma simples e saudável, cultivando sua própria comida, produzindo para distribuição, e mantendo uma vida em harmonia com a terra, e um jovem imerso no ritmo acelerado da modernidade, consumindo alimentos ultraprocessados que impactam negativamente sua saúde.

Quase ao final, em uma atmosfera de suspense, o personagem mais jovem após encontrar apenas frutas em conserva no supermercado, descobre, atrás de uma porta, uma área secreta onde tem acesso ao que parecem ser caixas de “experiências” com alimentos. No seguinte momento, o jovem e o velho contracenam pela primeira vez, revelando parentesco de neto e avô. Mais tarde do mesmo dia vemos a visita de uma pessoa misteriosa, que o jovem reconhece da área restrita do supermercado mostrado anteriormente. Ao final temos citações na tela “Aromatizante, corante e conservante”. Que diz respeito a crítica principal do curta sobre alimentação carregada de artificiais cancerígenos.

A produção cinematográfica do curta explora essa dualidade utilizando cenários e elementos visuais para refletir a diferença de estilos de vida. Enquanto o agricultor é mostrado em um ambiente rústico e acolhedor, rodeado pela terra e suas colheitas, o jovem vive em um espaço urbano impessoal, consumindo rapidamente produtos de embalagens chamativas e de aparência artificial. As escolhas de estilo e fotografia são cuidadosas, com a luz natural predominando nas cenas do agricultor, contrastando com a iluminação fria e artificial nas cenas do jovem.

O agricultor, com seu estilo de vida tranquilo, serve como uma figura de sabedoria, enquanto o jovem se afasta das tradições vividas pelo primeiro. Em sua simplicidade e na relação quase silenciosa entre os personagens, podemos perceber uma amostra dos caminhos divergentes que a humanidade pode seguir, entre o respeito pelas tradições e pela saúde natural ou a alienação causada pelo consumismo moderno.

A obra, embora breve, provoca uma reflexão profunda sobre os hábitos alimentares contemporâneos, o impacto na saúde e as mudanças geracionais.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Agarra

Por Beatriz Negrão



Agarra (2023), de Clara Estolano, é um fotofilme, tipo de filme que experimenta misturando a linguagem da fotografia com a linguagem cinematográfica. Uma das características que intensifica essa expressão artística é o uso de som sobreposto à fotografia. Em Agarra, Estolano inicia com um forró, que, atrelado às imagens de decoração de festa junina, nos leva imediatamente a uma noite quente de Junho. As risadas ao fundo e o vozerio cujas palavras são irreconhecíveis, bem como as espigas de milho e bandeirinhas evocam a sensação de universalidade daquela festa. É apenas uma dentre milhares de noites de São João.

Um casal de jovens flerta e joga conversa fora, até que a moça diz que esses tempos “não consegue evitar comer carne”. Essa fala, bem como a aparentemente inocente pergunta do rapaz sobre a lua, agem como presságio para a direção que a narrativa vai tomar, na metade do filme: as personagens vão para a floresta, no que parece uma escapada sexual, e a moça se transforma em uma espécie de fera. O filme evidencia seu humor sagaz no diálogo carregado de duplo sentido, no qual perder a virgindade e se transformar em monstro são situações análogas. Aqui, o termo “Agarra” é uma brincadeira sobre as unhas de uma fera e os amassos de um casal.

Ainda na primeira parte do filme, as fotos utilizadas são, principalmente, close-ups em detalhes da festa ou então nas expressões da menina, apresentando pouca variação visual. São fotos em sequência da mesma personagem em posições ligeiramente diferentes, só o suficiente para mostrar que há movimento, mas não ousadas o bastante para gerar muito interesse. Ao mesmo tempo, essa escolha estética mais modesta pode ser justamente um recurso da direção, que visa proporcionar uma atmosfera de namoro adolescente, no qual há um certo desajeitamento e prolongamento de momentos desconfortáveis. Característica essa que é reforçada pelo posicionamento da câmera como ponto de vista subjetivo do rapaz.

Na fotografia tradicional, o observador escolhe por quanto tempo quer permanecer visualizando a imagem, bem como em que detalhes quer se atentar. Em fotofilmes, esse poder pertence ao diretor, que dita o ritmo ao escolher quanto tempo cada foto permanece em tela. Estolano acelera esse tempo durante a cena da transformação na floresta, ao pular de foto em foto com certa velocidade, e emprega o som em favor da montagem ao usar sons de unhas arranhando a pele, num frenesi coceirento da moça segundos antes de se transformar. Aqui, a foto muda quase que simultaneamente com cada arranhada da unha, aliada às respirações ofegantes da menina.

Outro recurso bem aplicado da fotografia são os desfoques de movimento, posicionados intencionalmente no processo de metamorfose da personagem, gerando imagens onde seu rosto assume uma aparência fantasmagórica, quase desfigurada pelo movimento. Ao final da transformação, recursos tradicionais do cinema de horror são utilizados de forma inteligente: a menina (agora animal) não precisa ser claramente mostrada para ser temida, na verdade, é o exato oposto. Ela está mais longe da câmera e é pouco visível, banhada pela escuridão da noite e iluminada apenas por um foco de luz; e é justamente essa indefinição, causada pelo desfoque e pela escuridão, que estimula interesse na criatura: ela ainda é a namorada, ou deu lugar ao monstro?

As melhores qualidades de Agarra estão presentes no final, como a velocidade gerada pelos desfoques de movimento e as risadas, que se encontram no ápice. O rapaz sobe nas costas da moça e, em êxtase, os namorados correm pela floresta.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Apenas Uma Sacola de Plástico

Por Maiteh Gil



O curta-metragem de animação Apenas Uma Sacola de Plástico, dirigido e produzido por Luan Oliveira, aluno da Universidade Federal do Ceará (UFC), conta a história de um rapaz que se compara a uma sacola, refletindo sobre pensamentos pessimistas e o desejo de uma vida mais simples, como a de um objeto descartável. A obra é composta por desenhos e pinturas feitas manualmente, com uma estética simples, porém colorida e impactante.

De início, é importante destacar que o filme aborda principalmente questões relacionadas à saúde mental, expondo de forma sensível e real a depressão – uma doença incurável que afeta milhões de pessoas no Brasil. A obra convida à reflexão sobre a própria existência, ao mesmo tempo em que faz uma crítica à poluição ambiental, uma vez que a sacola de plástico leva milhares de anos para se decompor. Ambos os temas são explorados de forma coesa, sem que um sobreponha o outro.

Apenas Uma Sacola de Plástico é um curta-metragem sincero que representa a depressão com sensibilidade e criatividade. Tanto os pensamentos de insuficiência quanto os questionamentos existenciais do narrador ativo se encaixam perfeitamente na estrutura do filme. O uso de recursos visuais complementa a narração de maneira eficaz, enquanto a analogia com a sacola de plástico confere um significado profundo a um objeto simples e inanimado.

Por exemplo, na cena em que o protagonista observa pela primeira vez a sacola de plástico, ele deseja ser como ela, pois este objeto não sente dor, medo ou lembranças negativas. À medida que ele narra, a sacola é levada pelo vento e, ao cair no chão, simboliza a dor profunda da depressão, que leva à vontade de não sentir mais nada, como uma sacola sem sentimentos.

Tal convicção leva o narrador a refletir que, se fosse uma sacola de plástico, não poderia mais se conectar com as pessoas que ama. Esse pensamento, vinculado à depressão, revela o sentimento de inutilidade e a sensação de ser irrelevante para a família e amigos.

A mixagem de som contribui para a imersão na cidade de Fortaleza, com uma trilha sonora calma e reconfortante que, embora presente no final, teria sido interessante se tivesse acompanhado o filme durante toda a obra.

O design dos personagens humanos se diverge repentinamente, se modificando de maneira abrupta em uma das cenas. Ao longo do filme, as pessoas são representadas de forma simplificada, com traços semelhantes – cabelo, olhos, roupas e nariz. No entanto, na cena em que duas personagens estão na praia, observadas pela sacola, os traços delas se tornam mais simplificados, embora essas personagens estejam em destaque nos planos da cena. 

Em suma, Apenas Uma Sacola de Plástico tem o potencial de inspirar universitários do meio cinematográfico de todo o Brasil a explorar novas formas de animação, incentivando-os a encontrar maneiras criativas de representar suas histórias. O curta é uma reflexão sobre os momentos de crise existencial e a sensação de insuficiência, mas também traz uma mensagem de esperança e renovação. Com um desfecho reconfortante, a obra reafirma a importância da saúde mental e o surgimento de tempos melhores.

Cobertura do 8º Toró - Crítica do filme Pálido Ponto Vermelho

Por Raphael Mendes Pálido Ponto Vermelho, um curta-metragem brasileiro de horror e ficção científica escrito e dirigido por Kalel Pessoa, L...